8 de dezembro de 2013

A velhinha do semáforo.


Era uma sexta e eu queria falar com alguém. Por coincidência uma velhinha me olhou, eu estava na iminência de atravessar a rua e ela sorrateiramente disse: "As pessoas acham que o mundo é só delas, mas todos vão se dar muito mal".
É que tinha gente atravessando enquanto o farol estava aberto para  os carros. É certo que nenhum carro passava, eu olhei a rua tranquila e lhe sorri como quem diz que ela estava reclamando à toa.
"Olha lá, as motos viram do nada. Não tem como saber!"
Nesse momento uma moto virou e brecou em cima de uma mulher que tinha acabado de atravessar do meu lado.
“Todo mundo está preocupado apenas consigo. Ninguém quer saber de fazer algo que não traga benefício nenhum para outra pessoa que não seja ela mesma e sem receber nada em troca”.
 Enfim, o farol abriu para os pedestres e eu me coloquei ao seu lado enquanto ela dizia que o mundo estava perdido com pessoas assim. 
Se o mundo estava perdido por causa de pessoas que atravessavam o farol fechado eu nem queria saber o que ela achava do pessoal que rouba, é político, criou o Lulu ou qualquer coisa do tipo.
Eu respondia apenas me limitando a responder "sim" e "aham", queria que ela falasse mais. Mas ela estava com muita pressa e eu a perdi na multidão enquanto ela resmungava:
 “Nunca vi, não entendo".
A certo ponto a mulher olhou para trás, percebi que não seria ela o foco de minha história. Não hoje. Embora, tivesse sido mais um encontro na Trianon. 
Ela entendeu também de algum modo, esbanjou um tchau e continuou andando. Mais para frente parei para olhar a arquitetura de um prédio até que um homem perguntou se eu queria entrar. Respondi que sim, embora não tivesse a mínima ideia de qual prédio era aquele.
- Mas é visita ou estagiária?
- É visita.
- Neste caso você agendou?
- Não. - Respondi confusa.
- Não pode entrar, então.
- Tudo bem - Olhei para o prédio mais uma vez - Mas o que é esse prédio? – Talvez, só talvez, fosse prudente perguntar.
- É a única escola estadual da Paulista! 
- É muito bonito!
A esse momento ele pediu que eu esperasse, entrou no prédio e voltou com um sorriso de ponta a ponta. 
- Olha, posso te mostrar! Mas se te perguntarem você fala que é a nova estagiária, certo?
Concordei e sorri entrando no prédio. Ele me mostrou todas as salas e toda a mobília antiga. Descendo uma escada de madeira que rangia eu ouvia o homem dizer orgulhoso que as crianças gostavam de estudar ali e que lá havia sido a primeira escola de São Paulo a aceitar deficientes. 
- Essa é a parte meio Carandiru da escola. – Disse meio sem jeito,
Não importava. Mais para frente umas crianças comiam e o homem dizia: 
- Pegue um bolo.
Um pouco sem jeito expliquei que não estava com fome e agradeci, até que uma criança me olhou nos olhos com um bolo de laranja gigante nas mãos.
- Experimenta! Eu que fiz! 
Não poderia recusar e quando as outras viram que eu aceitei me trouxeram tortas, sucos, biscoitos, bolos. As crianças me pediam para sentar. 
- Come com a gente.
Elas sequer me conheciam, mas agradeci e disse que tinha que ir embora. O homem me acompanhou até a saída falando, nas palavras dele, que aquele era um evento histórico, que só aconteceria novamente em 500 anos.
- Nem era permitida a sua entrada e você ainda saiu com um “lanchinho”. 
Mais uma criança correu atrás de mim e sussurrando esclareceu:
- Você não pegou minha salada de frutas.
Ela estava particularmente indignada.
- Você vai ficar com vontade se disser não!
Aceitei e só quando estava na porta perguntei o nome do homem que havia me mostrado o lugar. 
Se a velhinha do semáforo ao menos pudesse ter visto todas essas cenas, mas que ela nos sirva toda vez que a velhinha do semáforo falar ao pé do nosso ouvido.


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