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26 de maio de 2016

Como conseguir disciplina para escrever?



Sabe aquela sensação chata quando o dia acaba e você não escreveu nada? Para ser sincero, não conseguimos entender como o relógio pode avançar tão rápido! Mas isso não é um problema só seu, acredite.


A solução é o que todos nós precisamos diariamente na vida: uma boa dose de disciplina. Por isso, reuni 10 dicas que ajudaram a me colocar nos eixos. Elas foram criadas por mim ao ir testando e vendo o que dava ou não certo. Hoje, acabo de terminar um livro de aproximadamente 500 páginas seguindo essas principais regras. Foi aí que pensei sobre como elas poderiam ser úteis também para outras pessoas. No final do dia, desejo que você tenha conseguido alcançar o melhor de si ao escrever! Se tiver dicas também, não deixe de compartilhar com a Coruja. Afinal, ajuda é sempre bem-vinda! Mas agora vamos lá:


1. Tenha um fã (ou vários)
Convide alguém com disponibilidade e que, de preferência, ame ler o gênero que você escreve. Vale de tudo: mãe, pai, tia, namorado, professor, um bom amigo. É para essa pessoa que os capítulos ou textos serão mandados assim que você terminá-los.
Mas lembre-se: ela não precisa ser especialista em português ou histórias. É claro que se for, melhor ainda. Porém, o objetivo principal é ter uma cobrança exterior impulsionando você. Afinal, todo autor quer ser lido, certo? É muito empolgante ver as reações de um leitor ao longo da história (conversas com eles e saber suas expectativas pode, inclusive, dar novas ideias), e é esse sentimento e a curiosidade pelas próximas palavras que poderão ajudá-lo muito a estabelecer uma disciplina. Afinal de contas, agora não dá mais para desanimar e deixar uma dívida com o mais novo fã.


2. Use os momentos mais produtivos do dia
Tem gente que possui um pico maior de energia à noite; outros, à tarde. Algumas pessoas precisam dormir menos e outras, mais. Por isso, é importante conhecer comportamentos pessoais e tentar usá-los a seu favor! Porém, se você for do tipo que é mais produtivo de manhã e só tem tempo à noite, procure rascunhar em um mesmo horário sempre, mesmo que não saia nada. Desse jeito, o hábito vai sendo criado.
Não se esqueça de que, assim como existem períodos melhores, há dias mais produtivos também. Por exemplo, muita gente não trabalha nos finais de semana, então é bom usar o sábado e o domingo. O importante é não se pressionar, porque se existe algo louco para travar a nossa criatividade, esse algo é o estresse.


3. Persista!
As primeiras tentativas podem ser um pouco frustradas. Mesmo se nada estiver dando certo, imponha-se uma regra de escrever ao menos uma hora por dia.  Em algumas vezes, pode acontecer de você ficar olhando para a tela, escrevendo e apagando, escrevendo e apagando. Se, depois dessa tentativa, nada sair, faça uma pausa.

Mas, na maioria das vezes, esse é o período suficiente para entrar totalmente no mundo da fantasia e ter alguma ideia. Nesse estágio, faça um rascunho com tópicos do que vai acontecer ou o que será abordado, pense também em formas diferentes de narrar o que imaginou. Mesmo se odiar o que acabou de fazer, não desista antes de completar uma hora no relógio.


4. A atividade não deve envolver outras
Não adianta nada separar uma parte do dia, usar os momentos mais produtivos e ter alguém incentivando se você ficar olhando conversas, redes sociais e sites. Portanto, desligue-se! Escrever é quase um estado de meditação, ou seja, nada pode atrapalhar. Deixe os celulares de lado e explique para as pessoas que este é o seu momento, mais tarde você estará acessível.


5. Descontraia sempre
Lembre-se do que falamos sobre o estresse! Use aliados, a exemplo da música, do silêncio, idas ao parque ou da parada para o café, e descontraia-se.  Muita gente fala que a disciplina está diretamente relacionada com ficar parado, resolvendo tudo até que termine. Mas isso não é verdade, pois não somos uma máquina. Dar um “break” ajuda a relaxar, esvaziar a mente, buscar novas inspirações e ficar pronto para as linhas que vão vir. Ouvir conversas e observar as reações das pessoas também são um ótimo gatilho, aliás.


6. Converse sobre questões que o texto ou sua história abordam
Não precisa comentar a todo segundo sobre o que você está escrevendo, afinal, isso pode ser muito chato para quem ouve. Mas falar sobre os temas envolvidos e perguntar o que as pessoas acham sobre eles pode render muitas conversas interessantes, além de novas inspirações.
Por exemplo, se o livro trata de amor, pergunte o que amar significa para os seus amigos. Se fala sobre política, tente falar com quem se interessa sobre o tema e descobrir novos fatos que renderão mais ideias. Ouvir algo novo, começar uma discussão sem fim e perceber pontos de vistas diferentes vão, necessariamente, ampliar a sua narrativa, trazendo inspirações e motivações para ter disciplina.


7. Qualquer minuto e meio deve ser utilizado
Algumas pessoas reclamam que não possuem tempo livre. Mas será que isso é verdade? Pergunte-se quantas vezes você costuma ficar no celular, vendo TV ou sem fazer nada no caminho até o trabalho. Esse período todo pode ser usado!
No trânsito, há como gravar uma ideia. Se estiver apenas à disposição um celular, use aplicativos úteis para guardar os textos feitos. Caso o local seja perigoso, substitua o smartphone por um bloquinho de notas. Cada segundo pode ser útil, desde que você não o gaste fazendo outras coisas.


8. Tenha metas!
É importante definir metas de curto, médio e longo prazo, tentando alcançá-las. E não estou falando apenas de reservar uma hora por dia. Determine quantos capítulos quer ter até o mês que vem ou se deseja ter um livro pronto em um ano.

Porém, tenha em mente que sempre estabelecemos a nós mesmos metas maiores do que podemos cumprir. Então, saiba que ela é apenas um fator motivacional e não punitivo. Para incentivar, marque em um calendário o dia em que você planeja ter pronto os próximos três capítulos ou três textos. Quando visualizar a data e perceber que está chegando perto, irá se sentir cobrado e tentará manter mais a disciplina. Porém, sem se sentir frustrado, hein?


9. Não escreva sempre o mesmo
Abandonar o  projeto principal para escrever outra coisa pode parecer incongruente, mas não é. Isso porque falar sobre os mais variados assuntos nos mais diversos textos funciona bem quando você estiver cansado de fazer sempre o mesmo.

Pensar temas, tentar novas formas e navegar por territórios desconhecidos aumenta o leque de possibilidades, além de proporcionar um descanso mental. Pense que você não está parado com o projeto, apenas tentando algo novo e produzindo mesmo assim. Portanto, se estiver acostumado a fazer livros, tente fazer um conto. Se você preferencialmente narra em terceira pessoa, faça um texto usando a primeira. Fatores assim ajudam a adicionar mais elementos importantes no principal foco. Ah! E quando voltar ao principal que estava fazendo, não deixe de reler o que já fez ou os últimos capítulos para entrar no climax novamente.


10. Não se prenda à ideia original
Sabe aquela velha história de que um homem nunca bebe a água do mesmo rio, pois o rio nunca é o mesmo e o homem que bebeu a água, também não? Pois é, o mesmo ocorre com você e o que escreve. Por isso, pode acontecer de, um belo dia, você acordar e decidir mudar algum elemento principal da sua história porque acha que vai ficar melhor. Se ocorrer, não tenha receio e nem preguiça! Muitas vezes, algumas pessoas se prendem àquilo que pensaram no início, mas permitir tal fato é restringir a imaginação e deixar o trabalho nada inovador.

Assim como o leitor deve se surpreender com as novidades, o autor também deve se empolgar com elas. Pense que, se o trabalho ficar monótono, ele será, por subsequente, chato. E é impossível manter disciplina quando estamos fazendo algo de que não gostamos.

15 de janeiro de 2016

Como publicar um livro no Brasil?


Eu seria muito pretensioso se dissesse que tenho a intenção de responder a pergunta do título. Se você veio aqui para saber o segredo da publicação de livros em terras tupiniquins, tenho uma péssima e uma excelente notícia: não existe uma fórmula mágica a não ser conhecer as pessoas certas. E encontrar uma editora para te publicar é, de longe, a parte mais fácil do processo, desde a escrita até a divulgação.

Pensei que escrever seria a parte mais difícil, mas eu estava redondamente enganado. Concluí a primeira versão de Cela 108 há mais de um ano e o livro só será publicado agora. Nesse intervalo, além de revisar, corrigir e registrar o texto, passei algum tempo correndo atrás de uma editora. Achei várias que aceitaram publicar, algumas até de certo renome, o que foi bastante surpreendente.

No entanto, o sistema de publicação proposto por essas empresas é o que se chama de compartilhado. Na prática, o autor tem que desembolsar uma boa quantia para dividir os custos. Dessa forma, a editora não se arrisca imprimindo um livro que pode não se mostrar bem sucedido comercialmente. Os valores variam muito e entre as propostas que me foram feitas, ficaram entre 5 e 15 mil reais.

Quem não está disposto a desembolsar uma quantia tão expressiva - até porque isso isentaria a editora da necessidade de divulgar e vender sua obra, já que ela teria ganho do próprio autor - precisa recorrer a uma forma alternativa, como as editoras que se utilizam da impressão sob demanda, pois a maior parte das grandes nem aceita originais, e as que aceitam, sempre com muita burocracia, podem levar mais de um ano para dar um parecer, normalmente negativo.

Venho aprendendo sobre o mercado editorial desde que comecei a escrever. Já estou publicando meu primeiro livro e no meio do processo de escrita e elaboração do segundo e ainda não tenho a menor ideia de qual é o melhor caminho a se seguir nesse meio. Muito antes de finalizar o texto de Cela 108, eu já havia lido muito sobre o assunto, além de ter participado de debates, palestras e encontros com escritores.

Publicar um livro sendo um autor jovem, iniciante, desconhecido e principalmente sem contatos com pessoas influentes em editoras é um caminho árduo e ingrato. Por melhor que você seja, por mais que acredite em seu texto, tenha em mente que não vão te valorizar. Pensar que uma grande editora ou um agente literário importante vai te pinçar como uma agulha em um palheiro é pura ingenuidade.

No entanto, não estou dizendo isso para desencorajar ninguém. Escrever é um dom valioso e existem diversas maneiras de ser publicado, ainda mais em tempos de internet. Há formas gratuitas e pagas, e você deve escolher a que fizer mais sentido para sua proposta. Publicar um livro apenas em formato digital é uma alternativa muito viável para quem não pode despender de valores muito altos e quer priorizar a qualidade do conteúdo, por exemplo.

Buscar um financiamento coletivo é uma possibilidade excelente para quem possui uma boa rede de contatos e pretende amplificar a divulgação da obra além de angariar fãs antes mesmo da publicação. Sistemas de autopublicação se proliferaram na web nos últimos anos e podem ajudar o autor a dar o pontapé inicial na carreira literária. As editoras também são um jeito mais tradicional de colocar seu nome no mercado editorial, mas essa nem sempre é a melhor forma de fazer isso. Tudo vai depender de quais são seus objetivos e o que você espera com a publicação de seu livro.

O importante é nunca desistir, por mais clichê que essa frase seja. Afinal começamos a escrever porque gostamos. Dinheiro, reconhecimento ou popularidade podem ou não ser consequências do trabalho duro, mas a dádiva de fantasiar universos fictícios é inerente ao autor e isso nenhum mercado injusto pode tirar de nós.

8 de outubro de 2014

Profissional de números e amante de letras

Ademir Moreno Aguilar: o profissional de números e amante de letras

“Técnico em Eletrotécnica, Bacharel em Matemática, atuando como Analista de Sistemas, casado e com dois filhos”. Essa poderia ser uma definição simplista da vida de Ademir Moreno Aguilar, mas, por trás de seus olhos claros e seu sorriso espontâneo, há muito mais do que um mero homem trabalhando com as ciências exatas. Ele ganha a vida com os números, mas tem sua verdadeira paixão nas letras: escreve livros infantis, contos e crônicas por puro prazer.

Sua história com a escrita vem de muito cedo, mas começou para valer quando ele estava no cursinho. Acostumado aos textos burocráticos das redações de vestibular, o jovem estudante teve dificuldades para chegar às quatro páginas demandadas pelo primeiro concurso literário em que se inscreveu, em 1984. A partir daí, o tamanho das obras só aumentou. A primeira boa colocação surgiu em 1987, no II Prêmio Jorge Andrade e, três anos depois, venceu as duas primeiras edições do Concurso Municipal de São Caetano do Sul.

Talvez por incentivo desses prêmios recebidos ou pela personalidade estressada, que expressa de forma tragicômica em seus escritos, Ademir já chegou a largar o emprego em que estava para ter de volta o que sentia falta e era essencial para sua escrita: o ócio. "Depois percebi que me dediquei mais procurando um trabalho de meio período para ter algum tempo do que escrevendo, e voltei à velha rotina". Teria dado ainda mais certo se não tivesse desistido? Não há como saber.

O fato é que o escritor ficou entre os três melhores no concurso “Los Niños Del Mercosur”, em 2008, disputando com autores de toda a América do Sul, e viu seu conto “Extinção” ser publicado em português e espanhol. Mas veio também a era digital, e Ademir começou a escrever em seu blog “Conto Gotas” histórias de até 500 palavras para se adaptar ao ritmo corrido de sua vida e aos novos tempos em que ninguém mais tem tempo para leitura.

Os olhos verdes que mostravam um mundo habitado e o universo grandioso que há dentro daquele homem não poderiam desmentir que ele é um escritor. Trazendo à tona o lado humano das ciências exatas, o improvável autor premiado, com seus cabelos grisalhos e suas roupas confortáveis, admite redigir os melhores relatórios entre os funcionários da empresa. "As pessoas acham estranho, mas me elogiam porque consigo transformar aquela linguagem técnica em algo agradável de ler", conta ele, que sente o ego massageado pelos elogios.

Talvez pelo fato de lidar com números em sua carreira, ele tenha tanta afeição por um em específico: o 36, que considera místico em sua vida, e foi tema de uma de suas crônicas. Vários fatos marcantes ocorreram no minuto trinta e seis, como a última página escrita de seu primeiro livro, a hora de envio de e-mails que decidiam finalmente algo importante e o conjunto do prédio onde trabalha atualmente. Mas toda essa história começou no seu primeiro emprego com carteira assinada. Às 17h36 minutos, quando estava prestes a ir embora para casa, Ademir estabeleceu para si um monte de regras e, com elas, parou de gaguejar por 50 dias. "Quando voltou a acontecer, foi no telefone, na casa de uma cliente. Para não demonstrar a dificuldade, evitava dizer muitas coisas, mas dessa vez tive que falar e deveria ser rápido. Lembro exatamente da cara com que a mulher me olhou e como me senti péssimo nesse dia", conta o escritor.

Apesar de Ademir ter uma memória incrivelmente boa, o que pode ter aparecido tanto devido aos números quanto à quantidade de leituras, o escritor tenta nos convencer que esta é meramente uma impressão. Porém, não consegue. Além de outros detalhes ele lembra o dia exato em que sua mãe sugeriu a profissão que talvez teria seguido. "Foi apenas uma vez que ela citou o jornalismo e eu lembro bem como isso logo foi convertido para uma teoria hipotética e abstrata. Um gago repórter?", conta o escritor, lamentando a falta de conhecimento na época e provando que às vezes devemos fazer o que gostamos, mesmo que as circunstâncias apontem para outros caminhos.

O interessante é que Ademir nesse sentido não é muito "tal pai, tal filho", pelo menos não sobre a falta de incentivo que teve. Por incrível que pareça, na família do analista de sistemas Ademir todos têm seu lado artístico e ele os apoia. Sua mulher, Marisa da Silva Moreno, é dona de casa e poetisa, com diversos poemas publicados em antologias, um livro de poesias próprio e uma história infantil escrita em versos, num livro dividido com o marido. A filha Monise é estudante de artes na Universidade de São Paulo e exibe desenhos espalhados pela casa.

A residência é um capítulo à parte. Localizada num bairro afastado de São Caetano do Sul, no ABC paulista, que transmite a sensacão de lugar interiorano no meio de uma cidade agitada, a casa abriga, além dos cachorros e de um porquinho da índia, uma passagem secreta por dentro de um guarda-roupa para um salão com uma mesa de pingue-pongue, o que revela um dos hobbies do homem que usa o tempo do fretado para escrever.

Leonardo, o filho mais novo, ainda não demonstrou aptidão clara para o universo artístico, mas foi fundamental para ajudar Ademir a driblar a gagueira, quase imperceptível hoje em dia, e se aceitar. Tal fato ocorreu há pouco tempo, cerca de um ano. Para ele, "um filho às vezes vem pra gente ajustar umas questões mal resolvidas".

Hoje Ademir pode dizer em alto e bom som que sim, "a vida é bela", ouvir o gracejo da filha dizendo "como a vida é bela, meu filho nasceu gago", rir disso e agora falar sobre isso sem problemas. Não é para menos. Ele pensava que só iria superar a gagueira quando deixasse de ser gago, mas descobriu que era possível se curar de algo incurável. Para ele, é como a questão da doença apareceu em um dos filmes do Monty Python, quando dizem que a mulher de cadeira de rodas está curada e ela não se levanta, mas está com "cara de quem se curou". Por isso, " às vezes o empecilho continua lá, mas você passa a aceitá-lo, então é como se tivesse se curado, não da doença, mas do mal que ela te faz, o que pode ser o essencial em muitos casos", conta Ademir se dizendo curado pelo menos umas três vezes durante os encontros. Nada mais justo, afinal este também é símbolo expressivo da luta por sua auto-estima.

Aliás, por falar em auto-estima, Ademir é bom também em citar coisas negativas que ele não é. Ele lembra de um episódio quando ainda era "moleque" e tinha ciúmes de uma irmã que os pais pegaram de criação para ajudar de determinada família. Então, ele teria feito algo muito cruel e de extrema maldade, dizia sério enquanto todos na mesa repetiam sem ironias que realmente foi algo horrível. O mal que fez? Colocou suco de limão no feijãozinho que a irmã plantou e estava crescendo mais do que o dele. Quem diria, esse episódio nefasto e obscuro consta agora em seu novo livro onde um menino gago descobre um site tanto quanto inusitado.

“Www.anjodaguarda.com.br” é a historia desse garoto que de repente vê todas as coisas boas e maldades que fez pontuadas. Com o tempo, a criança descobre que consegue trocar os pontos por retirar a gagueira quando fala com alguém, mas pode escolher apenas uma pessoa para conversar sem gaguejar. Hoje, Ademir diz cheio de esperança que quer poder entrar no mundo das crianças que têm o mesmo problema e mostrar a importância de se aceitar.

A inspiração para o livro veio após lhe dizerem uma frase tão óbvia, mas que nunca tinha lhe dado estalo algum: "por que não faz a história de um garoto gago?". Muitas outras inspirações para livros e crônicas vieram de seu cotidiano, como os nomes dos filhos colocados nos livros "Monise e a Matemática", e "Leonardo e o Professor-Resposta". Outra inspiração em uma crônica recente em que  Morfeu, um personagem que nunca dormia, conhece Neurínia, que nunca se esquecia de nada, numa sessão de Tai Chi Chuan, assim como ele conheceu a própria mulher. Tais histórias sempre foram elaboradas em diversos locais de escritas diferentes, desde folhas, bloquinhos e "palm". O objeto gerou muita discussão entre todos em sua explicação sobre o que era, pois os jovens repórteres não se lembravam da época em que os palm tops foram febre.

O equipamento foi fundamental para que ele pudesse criar suas histórias enquanto ia e voltava do trabalho, no ônibus. Foi também no transporte público que ele se deparou com um livro sobre a lenda judaica dos 36 justos, a qual Ademir conta mais de uma vez, sempre empolgado. Segundo esse mito, existe essa quantidade de pessoas justas no planeta, e nenhuma sabe que está nesse seleto grupo, porque são muito humildes para desconfiar. Quando um morre, Deus precisa encontrar outro e, se não houver peça de reposição, ele destruirá o mundo. "Mas óbvio que isso não serve pra mim, pois para ser um dos 36 você tem que ser humilde, e eu não sou", diz Ademir com um sorriso encabulado e despretensioso. E surge novamente o número místico.

Ele tenta quebrar a barreira do ceticismo de seus interlocutores contando também várias coisas  que aconteceram no minuto 36. "Parece loucura ou coincidência, mas eu olho no relógio, e está lá. Outro dia ele parou e a Marisa viu", arregala os olhos, "no semáforo com contagem de segundos, sempre paro no trinta e seis”, conta. No radar que fiscaliza a velocidade, no relógio que para, no semáforo com cronômetro, em situações banais ou singulares, o 36 sempre está presente. Talvez ele esteja certo mesmo, e as aparições não sejam apenas trivialidades. Essa pode ser realmente uma soma mágica para Ademir, o profissional de números e amante de letras. Afinal, o que mais explicaria a quantidade de caracteres presentes no título desse texto?

Por Bruna Meneguetti e André Cáceres

1 de setembro de 2014

24h sobre 4 rodas

Por: André Cáceres e Bruna Meneguetti 



“Caramba! Olhem essas casas, nem parece que estamos em São Paulo!”, comentou um dos 33 mil taxistas da cidade, ainda capaz de se encantar com a metrópole na qual percorre 200 km por dia há 13 anos. Em pleno sábado, ele falava o que vivia pensando para os dois jovens jornalistas, enquanto todos da mesa esperavam uma farta feijoada.

Seu nome é Julio Nunes de Albuquerque, tem 53 anos e é mais conhecido como Julião. Ao longo do almoço ele despejava diversas histórias sobre lugares de São Paulo, conhecimentos adquiridos porque “nem sempre a gente acerta o time de futebol do passageiro”.

“Reportagem sobre o dia de um taxista? Interessante", é o que pensavam o filho, a mulher e, provavelmente, o que pensa o leitor agora. Porém, mais que interessante, a figura de Julião é capaz de rir em sua essência com um brilho infantil na face e incentivar uma conversa longa. Isso tudo na mesma facilidade em que pode tornar-se sério ao deparar-se com um passageiro sem muitas palavras. O taxista parece um rio que corta a cidade e recebe vários afluentes, levando-os para outros lugares. Melhor metáfora não se enquadraria.

Quando Júlio foi demitido de uma grande corporação e comprou seu táxi, 13 anos atrás, não poderia imaginar que seria uma espécie de psicólogo com os passageiros e babá de idosos enquanto aguardava pacientemente eles terminarem suas consultas no hospital.

Também não previu que se tornaria administrador assíduo de seu dinheiro – apesar de ter sido formado em economia, nunca soube economizar -, homem perspicaz nas escolhas de peças de automobilísticas, espião de mecânicos desonestos que fingiam consertar o carro e, principalmente, um aluno da vida.

“Quando eu estava na faculdade, me disseram que aquilo não adiantaria de nada e a vida sim era a melhor professora. Hoje eu sei o quanto aquela frase era verdadeira”, disse, enquanto o filho falava também sobre o aplicativo de táxi que instalou para o pai.

“Comecei a usar no começo desse ano. É uma loucura, se deixo ligado, as pessoas me acham e solicitam uma corrida comigo. No começo foi difícil, mas descobri que era apenas uma questão de aprender a trabalhar com ele”, Julião diz empolgado, lembrando também da época em que não havia celulares com internet ou GPS e ele tinha de consultar guias.

Inês, Julião e Murilo ao lado do táxi
“Meu GPS era a minha mulher”, contava, “Ela era minha tradutora também. Até hoje quando entra algum gringo no meu táxi, ligo para ela. Porém, também posso ligar para o meu filho, que faz a mediação.” Ri matreiro enquanto o filho sorri sem jeito. Murilo parece não gostar muito da ideia de ter seu inglês colocado a prova de maneiras tão súbitas.

“Uma vez me disseram: O filho de um taxista estuda na escola Pueri Domus?”, lembra Julião, buscando o olhar companheiro da mulher. A família inteira se retrai em uma postura incomodada, o assunto do preconceito não é dos mais agradáveis e, para manter o filho em uma escola particular, tiveram que economizar em muitos outros setores.

“As pessoas não sabem, mas na época em que existiam oito mil taxistas em São Paulo, eles podiam ser muito ricos, possuindo casas em diversos lugares”, explica. Julio continua a conversa e é interrompido pela mulher, que relembra o fato de a própria família já ter tido um padrão de vida alto antes de perderem os empregos. Junto, o casal chegou a conhecer e percorrer todo o litoral do país, fazendo também uma breve viagem para o exterior. Inês Romera mostra no semblante um misto de contentamento e arrependimento: “Talvez se não tivéssemos viajado tanto e guardado um pouco mais…” – Não termina a frase.

Enquanto o belo prato de feijoada chegava, ela ajudava Júlio a lembrar de muitas histórias. Em algumas, revela uma ínfima ponta de ciúmes enquanto ele conta casos como o da prostituta que quis pagar a corrida ‘de outro jeito’ e ele, obviamente, não aceitou. “Se aceitou, também não vai contar agora”, diz Inês, provocando um eco de risadas no restaurante.

Outros casos interessantes também surgem na conversa, como o da mulher que seguiu o marido e descobriu uma traição, o do passageiro insuportavelmente fedido que não tomava banho e fez questão de pagar uma corrida de 98 reais da Aclimação até Pirituba, e um dos três assaltos que Julião já enfrentou, onde pensou que seria mantido como refém. “Mas, por sorte, o ‘dono da boca’ mandou me soltar.” O motivo? O pai dele também era taxista.

E, se a profissão já evitou muita desgraça, também afastou falsos amigos. A mulher nos conta que encontraram sem querer antigos colegas de trabalho, em uma das poucas vezes em que se permitiram ir ao um restaurante caro comemorar o aniversário de casamento. “Quando eu falei que tinha virado taxista, todos da mesa nos ignoraram. Apenas um homem continuou conversando com a gente. Era um bom homem.”

O preconceito aparecia rebatido na face de pai, mãe e filho. Os jornalistas que aqui escrevem saíram incapazes de distinguir se o objetivo havia sido alcançado; entraram imaginando que sairiam de lá com apenas uma história de vida, mas saíram com vários pitadas de outras histórias. Desde a primeira passageira, da qual Júlio nunca havia se esquecido, até o ponto em que estava em sua vida atualmente, era impossível separar as suas narrativas da história de sua mulher, seu filho e de vários outros passageiros.

Seus dias eram, na verdade, um entrelaçamento de pessoas que viviam os seus dias dentro do dia dele. Seríamos todos assim também? Esse era o questionamento dos repórteres quando chegavam à estação de metrô enquanto a noite caía, guiados por um singelo e sorridente taxista.

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