30 de outubro de 2014

No Bico da Coruja #14 - Uma fonte no meio da galeria


Localizado na Galeria Trianon, ao lado do Parque Trianon, na Rua Prof Otávio Mendes, nº1499, que faz dobradinha com a Paulista, há um restaurante por kg muito bom! O seu ambiente é um tanto quanto inusitado. Descobrir esse cantinho da Paulista pode não ser muito fácil para os desatentos. 

Ao entrar na galeria, vá até o final dela.Lá você verá uma fonte desativada muito bonita! Suba as escadas e, então, ache o "Restaurante Trianon Grill". Escolhendo uma cadeira lá fora, dá para almoçar próximo da fonte e escolher o que quiser. O preço de 100g, sem grill é de R$ 3,69, e o de 100g, com grill, sai por R$ 4,09. A comida é boa, tem churrasco todos os dias e sopa nos dias frios. Para quem curte, é uma delícia.

Mas a experiência, e local compensam demais. Afinal, quando você vai achar que dentro de uma galeria se encontra uma fonte desativada? Vale a pena conhecer, ainda mais se for depois das 14h, pois há um desconto de 15% ou o prato único acaba saindo por R$ 15,00! O local tem mais um andar para as mesas em cima, de forma que há bastante lugares. O único problema é que depois do meio dia ele enche demais, então, chegue cedo.




Restaurante Trianon Grill Endereço: Rua Prof Otáveio Mendes, nº 1499
Preço: em média, de R$15 a R$35
Horário de funcionamento: segunda a sexta, das 11h às 15h Selo coruja de lugar inusitado!



28 de outubro de 2014

Poema #3: Quem vos escreve



Quem eu sou?
Sou uma frase no seu dia
Um livro na sua vida
O bem e o mal que casou

Às vezes sei exatamente quem eu sou
Às vezes não sei nem onde estou
Às vezes sou sol, às vezes lua
Vezes água, vezes tua

O raio e o breu,
Às vezes pássaro e então lagarto
Sou de cada um que passa, que deixam o local farto
Quem sou eu?

Se minhas partes fossem uma frase
Diria que sou o que você pode sentir
Se coubesse numa palavra, diria que sou um tudo-quase
Sou o mundo e todas as pessoas que puder admitir

Ao mesmo tempo não sou ninguém além de mim
Sou a minha imaginação desenfreada
A vida brincando numa balança calada
A certeza da dúvida que me permeia assim

Sou por fim quem vos escreve
Porque estou em tudo, e tudo está
Mas não há mais da vida do que a certeza de ser


Não deixe de seguir a Coruja no Twitter e no Scribe, Corujeiros!

24 de outubro de 2014

Os gregos e troianos da política brasileira

O sujo e o mal lavado

Quando é o PT, é "mensalão". Quando é o PSDB, é uma inocente e singela compra de votos para o necessário projeto da reeleição. Quando é o PSDB, é "privataria". Quando é o PT, é o fomento de parcerias entre Estado e iniciativa privada.

Os petistas foram contra a reeleição, mas já tenta reeleger o segundo presidente seguido. Os tucanos foram contra os projetos sociais como o Mais Médicos, mas reclamam a invenção do embrião do Bolsa Família para FHC.

Aécio disse ser favorável ao fim do fator previdenciário em reunião com sindicalistas mas recuou e reviu esse aspecto no plano de governo. Dilma bolou o kit anti-homofobia para as escolas, mas recuou depois da pressão da bancada evangélica.

É "petrolão" pra cá e "tremsalão" pra lá.

O helicóptero com drogas de Aécio. A hospedagem luxuosa de Dilma.

Uns dizem que Dilma já participou do assassinato de um soldado (só boatos) e outros que Aécio já bateu em uma namorada (só boatos).

Quantos ministros de Dilma já foram acusados de corrupção? Mas quanto Aécio pagava para os professores em Minas Gerais?

Tucanos criticam a continuidade do PT no governo federal. Petistas criticam a continuidade do PSDB no governo de SP.

Enquanto uns têm apoio de Sarney, Collor e Maluf, outros fazem alianças com Malafaia, Bolsonaro e Feliciano.

Tucanalhas salvaram o Brasil da inflação, mas privatizaram tudo e foram pioneiros dos escândalos. Petralhas salvaram o Brasil da miséria mas deram prosseguimento aos casos de corrupção e não fizeram esforço algum pela estatização.

É o filho do Lula e o tio de Aécio.

Se o PT continuar no poder, vai implantar uma ditadura comunista. Se o PSDB chegar ao poder, vai acabar com o bolsa família. É isso que berram aos quatro ventos os mais alucinados de ambos os lados.

Mas de ambos os lados, o que também vemos é financiamento privado de campanhas. Quem elegerá Dilma e Aécio? Seu voto ou as empreiteiras? E adivinhe para quem ele vão governar.

Essa é uma dicotomia irracional. Freud explicaria as projeções de Lula e FHC que vemos em Dilma e Aécio.

Dilmaécio são dois lados da mesma moeda ideológica. Tentam agradar a gregos e troianos da política brasileira. Duas faces da consciência burguesa da classe média tentando manipular massas. Uns votam no PSDB porque são burros, outros votam no PT porque querem parecer inteligentes. E vice-versa.

22 de outubro de 2014

A garota na janela

A garota na janela observava não o céu, não seu quarto, mas a sua vida. Toda a sua vida ali, em fotos, em fatos. Toda ela a mercê do que estaria por vir. As velhas pessoas deixadas em outro lugar, que não ao seu lado, porém todos ainda perto. Não há medo. Há um querer imenso em entrar em algo novo, uma beleza no desconhecido e uma certeza de que a vida é encarregada de ser inimaginável. 
A garota estava a adorar o desconhecido e olhando o céu o adorava pelo mesmo motivo. Imaginou que triste e bonito devia ser o céu na noite dos que não tem uma luz em sua casa. Na noite que não há luz nem nas almas e o povo dorme silenciosamente, numa cantiga monótona de quem já se acostumou ao show exibido daquilo que existe.
Acostumar-se-iam como nós já acostumamos com o nascer e o pôr do sol? E pensou no seu futuro e como estava bem no aqui e agora, em tudo que havia mudado, tudo para que ela pudesse ser! Quantos anos se passaram para que ela pudesse ser o que era agora? Havia mudado, era o que importava. Enquanto isso, a paralisação supérflua das estrelas permitia que ela experimentasse a sensação do tempo estático.  Quem a visse estranharia!  Acharia, de certo, que era um fantasma em sua janela, parada, no escuro, esperando que algo além de seus pensamentos se movessem.
Estava em paz! Sabem o que é isso? Estar em paz enquanto tudo ao seu redor está desmontado, esperando quem junte as peças? É uma doce sensação, chega a ser estranha. Olhou para certo ponto acima de sua cabeça e lá uma estrela cadente passou. Nunca havia visto uma! Ela riscou o céu e sumiu num feche de luz, de modo que a garota sorriu. Achou que era possível algumas pessoas morrerem sem terem visto uma estrela cadente e respirou feliz por não ser uma delas.
Tinha a chance de fazer um pedido. Mas se é difícil pedir algo enquanto estamos nervosos mais ainda é, quem diria, pedir quando estamos perigosamente calmos. Tudo estava perfeitamente belo, todo o desconhecido era uma chama que queimava dentro dela e não havia o que desejar. Embora, de certo, não era uma pessoa sem desejos ou sem grandes sonhos. Não, isso nunca. Havia sonhos escandalizadores em sua mente, sonhos difíceis até de sonhar.
Mas o pedido era para ela, era imediato e ela esqueceu-se dos seus sonhos futuros. Sempre que pedia o fazia para o agora. E agora não havia o que pedir. Também queria pensar bem antes de pedir qualquer coisa, não queria algo que ela ainda não estaria preparada para receber. Quando estivesse pronta, então certas coisas viriam sem que fosse necessário implorar aos céus.
Pensou em desejar oportunidade para crescer. Mas que pedido arriscado, afinal, crescer nem sempre é fácil!  A chama que lhe ardia do desconhecido havia bebido tantas e tantas vezes do néctar ruim a quem chamam de dor. Era melhor certificar-se em outra coisa. O que pedir? A estrela tinha acabado de sumir e, certamente, se demorasse muito, seu pedido seria revogado.  Entraria com um processo nas leis de pedidos por um pedido que ela nem sequer sabia qual era. Pediria o direito de pedir, sem que, ao certo, soubesse até onde era permitido pedir por esse direito.
Ninguém demora tanto para pedir alguma coisa. Aliás, qualquer um é capaz de, em um dia normal, sair por aí pedindo de tudo. Desde comida, se estivesse com fome; até que as horas passassem mais rápido, se estivesse com tédio. A estrela se irritaria, e o júri comentaria, e ninguém demora tanto para pedir alguma coisa! Peça qualquer coisa tosca, garota! Peça um bom chocolate ou para ver um filme maravilhoso! 
Ora, mas certamente a primeira estrela cadente que viu em sua vida não aparecera para que ela pedisse que fizesse sol no dia seguinte. Tinha que ser um bom pedido. Tinha que ser “O pedido”. Você alguma vez já chegou a não querer nada da vida além de ser feliz? São raras às vezes em que isso acontece e a confiança é tão forte, tão grande que não se ostenta em nada, nem ninguém.
Mas alguma vez você já olhou para o céu e esqueceu-se de todos os seus anseios, todos seus sonhos e expectativas para o futuro e desejou apenas ser feliz? E não é isso que na verdade está oculto dentro de todos os outros pedidos? Finalmente, forçada pelo martelo que ditava o fim da audiência, ela fechou os olhos e desejou algo. Infelizmente não posso falar o que foi. Eu não me atreveria a tanto, caso contrário cancelaria a validade de tão bem pensado pedido.

P.S.: Texto inspirado no dia 20 de fevereiro de 2013. Dia em que vi uma estrela cadente pela primeira vez.

Nova parceria: Eu No País Dos Livros

A Coruja tem um novo blog parceiro! Eu no País dos Livros fala sobre literatura, tem várias resenhas de livros e um visual bem bonito.

Confere aí: http://eunopaisdoslivros.blogspot.com.br/

O twitter deles é @eueoslivros

Por hoje é isso, mas vamos sempre recomendar outros blogs legais que possam interessar à nação corujeira.

20 de outubro de 2014

Sorrisos perdidos de uma terça-feira

Foto tirada pelo fotógrafo vencedor na categoria "Sorrisos", do Sony World Photograph Awards 2011. Na imagem há um homem com as pernas amputadas vendendo fitas de Nosso Senhor do Bonfim, na Bahia
Você sabe bem, quando tudo passa rápido demais ao seu redor e apenas você está no mesmo ritmo de alguns detalhes. Quando todo mundo parece correr e estão rápidos demais para notar as folhas dançando com o vento e caindo por aí.
Só você está no ritmo bom o suficiente para as notar. Você sabe bem, quando as buzinas de um protesto se misturam ao som das buzinas dos carros e com a música clássica do homem que faz um artesanato. Ele está parado olhando a todos e, de repente, lhe sorri porque você não está tão rápida para não o notar e nem tão vagarosa como quem faz um artesanato, ao som de música clássica, e buzinas de manifestações, e carros.
Você sabe bem porque sorriu de volta, afinal, até outro dia era ontem e ontem parece que foi mês passado. Tem ontem que parece daqui a muito tempo. Aquele instante é tão fugaz que ninguém jamais conseguiria segurá-lo na memória, nunca alguém lembrou para sempre do homem que sorriu em uma tarde de terça-feira enquanto fazia artesanato, enquanto alguém ou você não andava devagar o suficiente para estar rápido e nem rápido o suficiente para estar devagar.
Você sabe bem, daqui uns dias já vai ter sido hoje há mais de um ano. Tem sempre que parece que nunca foi e tem nunca que parece ser para sempre. E você terá andado assim, todo confuso na certeza de que logo se acerta, sem saber o que querer do tempo e o que do tempo pode tirar. Outro homem que faz artesanato sorrirá e você sorrirá de volta porque de alguma forma está bem com o tempo e o tempo está bem com você, todos ficam exatamente onde se deixaram permanecer e, juntos. Não estagnam, também não tentam acelerar.
Tudo jamais será igual, porque nesse dia a riqueza de detalhes te permitiu ver tudo! Tudo, enquanto você pensava não ligar a mínima para o que o tempo queria de você ou o que você queria do tempo. Você sabe o que quer de você, e basta.  Agora, se o mundo acabar antes desses outros sorrisos, que você e ninguém vai lembrar por ser apenas um segundo de toda a sua existência, se o tempo passar mais vagaroso ou mais veloz que o normal, saiba que a vida é mesmo feita de frases mal feitas e sorrisos bobos que se perdem no ar.
P.S.:Texto escrito há mais de um ano, data original de publicação em 09/10/2013
Por: Bruna Meneguetti e uma palhinha do André Cáceres

14 de outubro de 2014

Tirinha #2 - Darwin não curtiu isso

Será que Darwin imaginaria que em pleno século XXI ainda existiriam debates sobre a validade do amor entre duas pessoas pelo fato irrelevante delas serem do mesmo sexo? Impensável para um homem tão esclarecido como ele que, tantos anos após suas pesquisas, ainda houvessem pessoas combatendo o progresso do pensamento científico em nome de dogmas autoritários.
Darwin seria capaz de ponderar que uma pessoa pudesse jogar uma banana na direção de outra ou chamá-la de macaco por causa da quantidade de melanina presente em sua pele?
Por falar em macacos... como pregar essa pretensa superioridade absurda em relação a eles se nós ainda derrubamos o celular no rosto quando estamos na cama? Fica aí a reflexão.

Poema #2: A cópia do melhor poema do mundo



O melhor poema do mundo
Sempre aparece no meu coração
Arranca sorrisos em um segundo
E escorrega pela palma da minha mão

Vem com seu olhar aventureiro
Um tiro perfeito de um arqueiro
Tão forte em mim como um leão
E as palavras se encaixam em tom certeiro

Repare agora não
Aqui vou eu com a cópia ao fundo
Ladrando tal qual cão na reprodução
Do melhor poema do mundo

Estende ao céu essa opção,
Na noite que perfuma ao som do violão
Há vontades que levam às luzes de Paris
E você, diga lá o que sempre quis

Enquanto eu vou cantando
Na rua que corre em meandro
Ele é como o tempo, passa malandro
São como os versos, vão se emendando

O melhor poema do mundo é o que não se diz
Não cabe respostas na ponta do nariz
Quando ela se perde no céu dos teus quadris
Contornando sua loucura com um olhar de giz

Falar do infinito, eu sei, é tanto e quanto grande
Mas acaba sempre sendo maior e ainda
É como a sensação da tua vinda
Que tanto assim e igual se expande

Por isso, eu danço nas vielas de tua matriz
Buscando as palavras certas como uma aprendiz
Desejando a saudade de viver o que ainda não condiz
Despejando a poesia do peito nesse chafariz

Por que quando você me toca com braços de rio
Eu desaguo no mar de mil noites vestidas de anil
Mas por não saber reproduzir nem um fio
É que esta é só a cópia do melhor poema do mundo

12 de outubro de 2014

Alerta: pombas planejam suicídio coletivo na Grande São Paulo

O farfalhar intenso das pombas. Verdadeiras pragas. Sujam todos os lugares e vão vivendo sem propósito. Vão a procura de uma migalha, parecem nem estranhar a velocidade da tecnologia. Fazem coro contrapondo os pardais. Entram nos restaurantes obrigam a servi-las.
Mas ai! Como dói ver uma dessas no meio da rua, esperando ser atropelada. O bom homem a vê e diz:
- Sai da rua pomba! Você não quer ficar na frente do carro, xô!
E ela de súbito o ouve, parece cair em si. Lembra que é pássaro e voa! Mas não sei o que é que a impede e ela para no fio mais próximo, procurando outra migalha no meio da avenida. Amargo instinto! Esses dias estava passando pelo mesmo lugar e vi uma delas pousada no fio mirando o segundo pouso. Tinha um olhar de águia, de gavião.Fez uma curva perfeita entre as pessoas, passou sem maiores esbarrões, numa sutileza sem igual.
Nunca vi uma pomba calcular assim o voo, como o gato calcula seu bote. Outro dia ainda, no mesmo lugar, o farol abriu e vi uma delas atravessar a rua na minha frente, andava tranquilamente em cima da faixa de pedestres. E nada me tira da cabeça que é a mesma pomba dos olhos de águia. Que provavelmente é a mesma que não se arrisca na avenida em busca da migalha. 
Mas ninguém a nota, ninguém a vê. Então é igual a todas aos olhos de todos. Ela entrou numa categoria maior em que se definem pombas e pomba é o que ela é. Embora tenha olhos de águia e não tente se suicidar pela migalha, como pode negar que é pomba se pomba é o que ela é?

8 de outubro de 2014

Profissional de números e amante de letras

Ademir Moreno Aguilar: o profissional de números e amante de letras

“Técnico em Eletrotécnica, Bacharel em Matemática, atuando como Analista de Sistemas, casado e com dois filhos”. Essa poderia ser uma definição simplista da vida de Ademir Moreno Aguilar, mas, por trás de seus olhos claros e seu sorriso espontâneo, há muito mais do que um mero homem trabalhando com as ciências exatas. Ele ganha a vida com os números, mas tem sua verdadeira paixão nas letras: escreve livros infantis, contos e crônicas por puro prazer.

Sua história com a escrita vem de muito cedo, mas começou para valer quando ele estava no cursinho. Acostumado aos textos burocráticos das redações de vestibular, o jovem estudante teve dificuldades para chegar às quatro páginas demandadas pelo primeiro concurso literário em que se inscreveu, em 1984. A partir daí, o tamanho das obras só aumentou. A primeira boa colocação surgiu em 1987, no II Prêmio Jorge Andrade e, três anos depois, venceu as duas primeiras edições do Concurso Municipal de São Caetano do Sul.

Talvez por incentivo desses prêmios recebidos ou pela personalidade estressada, que expressa de forma tragicômica em seus escritos, Ademir já chegou a largar o emprego em que estava para ter de volta o que sentia falta e era essencial para sua escrita: o ócio. "Depois percebi que me dediquei mais procurando um trabalho de meio período para ter algum tempo do que escrevendo, e voltei à velha rotina". Teria dado ainda mais certo se não tivesse desistido? Não há como saber.

O fato é que o escritor ficou entre os três melhores no concurso “Los Niños Del Mercosur”, em 2008, disputando com autores de toda a América do Sul, e viu seu conto “Extinção” ser publicado em português e espanhol. Mas veio também a era digital, e Ademir começou a escrever em seu blog “Conto Gotas” histórias de até 500 palavras para se adaptar ao ritmo corrido de sua vida e aos novos tempos em que ninguém mais tem tempo para leitura.

Os olhos verdes que mostravam um mundo habitado e o universo grandioso que há dentro daquele homem não poderiam desmentir que ele é um escritor. Trazendo à tona o lado humano das ciências exatas, o improvável autor premiado, com seus cabelos grisalhos e suas roupas confortáveis, admite redigir os melhores relatórios entre os funcionários da empresa. "As pessoas acham estranho, mas me elogiam porque consigo transformar aquela linguagem técnica em algo agradável de ler", conta ele, que sente o ego massageado pelos elogios.

Talvez pelo fato de lidar com números em sua carreira, ele tenha tanta afeição por um em específico: o 36, que considera místico em sua vida, e foi tema de uma de suas crônicas. Vários fatos marcantes ocorreram no minuto trinta e seis, como a última página escrita de seu primeiro livro, a hora de envio de e-mails que decidiam finalmente algo importante e o conjunto do prédio onde trabalha atualmente. Mas toda essa história começou no seu primeiro emprego com carteira assinada. Às 17h36 minutos, quando estava prestes a ir embora para casa, Ademir estabeleceu para si um monte de regras e, com elas, parou de gaguejar por 50 dias. "Quando voltou a acontecer, foi no telefone, na casa de uma cliente. Para não demonstrar a dificuldade, evitava dizer muitas coisas, mas dessa vez tive que falar e deveria ser rápido. Lembro exatamente da cara com que a mulher me olhou e como me senti péssimo nesse dia", conta o escritor.

Apesar de Ademir ter uma memória incrivelmente boa, o que pode ter aparecido tanto devido aos números quanto à quantidade de leituras, o escritor tenta nos convencer que esta é meramente uma impressão. Porém, não consegue. Além de outros detalhes ele lembra o dia exato em que sua mãe sugeriu a profissão que talvez teria seguido. "Foi apenas uma vez que ela citou o jornalismo e eu lembro bem como isso logo foi convertido para uma teoria hipotética e abstrata. Um gago repórter?", conta o escritor, lamentando a falta de conhecimento na época e provando que às vezes devemos fazer o que gostamos, mesmo que as circunstâncias apontem para outros caminhos.

O interessante é que Ademir nesse sentido não é muito "tal pai, tal filho", pelo menos não sobre a falta de incentivo que teve. Por incrível que pareça, na família do analista de sistemas Ademir todos têm seu lado artístico e ele os apoia. Sua mulher, Marisa da Silva Moreno, é dona de casa e poetisa, com diversos poemas publicados em antologias, um livro de poesias próprio e uma história infantil escrita em versos, num livro dividido com o marido. A filha Monise é estudante de artes na Universidade de São Paulo e exibe desenhos espalhados pela casa.

A residência é um capítulo à parte. Localizada num bairro afastado de São Caetano do Sul, no ABC paulista, que transmite a sensacão de lugar interiorano no meio de uma cidade agitada, a casa abriga, além dos cachorros e de um porquinho da índia, uma passagem secreta por dentro de um guarda-roupa para um salão com uma mesa de pingue-pongue, o que revela um dos hobbies do homem que usa o tempo do fretado para escrever.

Leonardo, o filho mais novo, ainda não demonstrou aptidão clara para o universo artístico, mas foi fundamental para ajudar Ademir a driblar a gagueira, quase imperceptível hoje em dia, e se aceitar. Tal fato ocorreu há pouco tempo, cerca de um ano. Para ele, "um filho às vezes vem pra gente ajustar umas questões mal resolvidas".

Hoje Ademir pode dizer em alto e bom som que sim, "a vida é bela", ouvir o gracejo da filha dizendo "como a vida é bela, meu filho nasceu gago", rir disso e agora falar sobre isso sem problemas. Não é para menos. Ele pensava que só iria superar a gagueira quando deixasse de ser gago, mas descobriu que era possível se curar de algo incurável. Para ele, é como a questão da doença apareceu em um dos filmes do Monty Python, quando dizem que a mulher de cadeira de rodas está curada e ela não se levanta, mas está com "cara de quem se curou". Por isso, " às vezes o empecilho continua lá, mas você passa a aceitá-lo, então é como se tivesse se curado, não da doença, mas do mal que ela te faz, o que pode ser o essencial em muitos casos", conta Ademir se dizendo curado pelo menos umas três vezes durante os encontros. Nada mais justo, afinal este também é símbolo expressivo da luta por sua auto-estima.

Aliás, por falar em auto-estima, Ademir é bom também em citar coisas negativas que ele não é. Ele lembra de um episódio quando ainda era "moleque" e tinha ciúmes de uma irmã que os pais pegaram de criação para ajudar de determinada família. Então, ele teria feito algo muito cruel e de extrema maldade, dizia sério enquanto todos na mesa repetiam sem ironias que realmente foi algo horrível. O mal que fez? Colocou suco de limão no feijãozinho que a irmã plantou e estava crescendo mais do que o dele. Quem diria, esse episódio nefasto e obscuro consta agora em seu novo livro onde um menino gago descobre um site tanto quanto inusitado.

“Www.anjodaguarda.com.br” é a historia desse garoto que de repente vê todas as coisas boas e maldades que fez pontuadas. Com o tempo, a criança descobre que consegue trocar os pontos por retirar a gagueira quando fala com alguém, mas pode escolher apenas uma pessoa para conversar sem gaguejar. Hoje, Ademir diz cheio de esperança que quer poder entrar no mundo das crianças que têm o mesmo problema e mostrar a importância de se aceitar.

A inspiração para o livro veio após lhe dizerem uma frase tão óbvia, mas que nunca tinha lhe dado estalo algum: "por que não faz a história de um garoto gago?". Muitas outras inspirações para livros e crônicas vieram de seu cotidiano, como os nomes dos filhos colocados nos livros "Monise e a Matemática", e "Leonardo e o Professor-Resposta". Outra inspiração em uma crônica recente em que  Morfeu, um personagem que nunca dormia, conhece Neurínia, que nunca se esquecia de nada, numa sessão de Tai Chi Chuan, assim como ele conheceu a própria mulher. Tais histórias sempre foram elaboradas em diversos locais de escritas diferentes, desde folhas, bloquinhos e "palm". O objeto gerou muita discussão entre todos em sua explicação sobre o que era, pois os jovens repórteres não se lembravam da época em que os palm tops foram febre.

O equipamento foi fundamental para que ele pudesse criar suas histórias enquanto ia e voltava do trabalho, no ônibus. Foi também no transporte público que ele se deparou com um livro sobre a lenda judaica dos 36 justos, a qual Ademir conta mais de uma vez, sempre empolgado. Segundo esse mito, existe essa quantidade de pessoas justas no planeta, e nenhuma sabe que está nesse seleto grupo, porque são muito humildes para desconfiar. Quando um morre, Deus precisa encontrar outro e, se não houver peça de reposição, ele destruirá o mundo. "Mas óbvio que isso não serve pra mim, pois para ser um dos 36 você tem que ser humilde, e eu não sou", diz Ademir com um sorriso encabulado e despretensioso. E surge novamente o número místico.

Ele tenta quebrar a barreira do ceticismo de seus interlocutores contando também várias coisas  que aconteceram no minuto 36. "Parece loucura ou coincidência, mas eu olho no relógio, e está lá. Outro dia ele parou e a Marisa viu", arregala os olhos, "no semáforo com contagem de segundos, sempre paro no trinta e seis”, conta. No radar que fiscaliza a velocidade, no relógio que para, no semáforo com cronômetro, em situações banais ou singulares, o 36 sempre está presente. Talvez ele esteja certo mesmo, e as aparições não sejam apenas trivialidades. Essa pode ser realmente uma soma mágica para Ademir, o profissional de números e amante de letras. Afinal, o que mais explicaria a quantidade de caracteres presentes no título desse texto?

Por Bruna Meneguetti e André Cáceres

5 de outubro de 2014

Tirinha #1 - É fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho?


Em quem você vai votar? No candidato que está em primeiro nas pesquisas ou no que está perdendo? Eu vou votar no candidato que me representa, que tem as propostas mais pertinentes, que pensa o mesmo que eu e que quer realmente melhorar a vida das pessoas.

Acha que esse candidato não existe? Pois saiba que até papai noel existe se você acreditar e tiver força de vontade para buscá-lo. Há muitos políticos competentes, bem intencionados e honestos por aí, esperando seu voto. Mas nenhum deles recebe dinheiro de bancos, empreiteiras, investidores e empresários para financiar campanhas milionárias.

Por que você acha que são sempre os mesmos partidos que disputam o topo nas eleições? Pela força de suas ideologias ou por quem banca suas propagandas? É muito fácil se sentar no sofá, ligar a televisão e ver o jornal do horário nobre cobrir apenas duas ou três campanhas, mostrar apenas o que os candidatos mais votados fizeram. Por que eles são os mais votados? Será que as pessoas não votam neles simplesmente porque acham que todo mundo vai votar neles mesmo e que não fará diferença escolher outro?

"Vou votar em quem está disputando lá em cima pra não desperdiçar meu voto", é o que diz a minha mãe, e provavelmente a sua. Jogar no lixo o voto, entretanto, é fazer exatamente isso. Seu voto só tem utilidade numa democracia se ele te representa. Se você acredita na maré de pessoas que está elegendo o candidato X ou Y, e decide seguir o fluxo, é apenas mais um na boiada. Se tenta mudar o país votando em quem realmente compartilha dos mesmos ideais que os seus, você estará, aí sim, fazendo a diferença, mesmo que seu candidato não seja eleito.

Afinal, enquanto estivermos com essa mentalidade de votar em quem todo mundo já vota, não faz sentido clamar por mudanças. Os políticos vão continuar governando para quem realmente os elegeu: bancos, construtoras, empresas. É isso que você quer? Pois isso é do interesse de uma minoria privilegiada. Até quando vamos nos deixar influenciar pelas pesquisas eleitorais?

Deixemos de lado esse modo de pensar. Será que os candidatos estão em primeiro lugar nas pesquisas porque são mais votados, ou são mais votados porque as pesquisas dizem que são? É fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho? Pense nisso. Procure propostas, candidatos e ideias que te satisfaçam, e não vote no "menos pior".

2 de outubro de 2014

Entre selfies e mecenas


O número crescente de selfies em exposições vêm aparecendo de uma maneira assombrosamente estranha. Com elas também surge a dúvida: a obra que saiu atrás das fotos serviu como uma mera figurante e um jeito novo para divulgar o nível cultural daquele que a publica no Instagram e Facebook? Ou ela serviu para transmitir a alguém, por meio de uma lente, o fato de que as pessoas realmente estão interessadas em toda a sua complexidade?
Se você não se sensibilizou com a mostra e por isso não tirou fotos com a hashtag “amei”, podem te persuadir a dizer que ela é boa pelo simples motivo de que todos gostaram. Mas ao decidir que manterá a sua opinião firme, te ignoram. Aos olhos daqueles que ficaram em variadas poses com o vestido que combinou com o quadro, é você que não entendeu a complexidade.
Na exposição “Obsessão Infinita”, de Yayoi Kusama, este fato era claro. Ao questionar uma garota sobre o que havia para se observar em uma das salas, ela apenas me respondeu: “Um monte de bolinha, tem tanta bolinha que eu nem sabia onde colocar as bolinhas que ganhei”. Em seguida, mostrou a mão ainda com alguns adesivos e o celular coberto das tais bolinhas coloridas. E se a arte virou mesmo adesivo em papel, afinal, para onde foi o papel da arte nessa história? Talvez em uma sala onde ninguém entende ao certo por que deve colar as bolinhas nos móveis e paredes, pois o importante mesmo é registrar o momento.
Porém, se engana quem pensa que essa apreciação de se expor em algum lugar cultural para os outros observarem é uma novidade estranha do que a arte virou. O mecenato é uma prática que surgiu no Império Romano, declinou na Idade Média e teve o seu ápice no Renascimento Cultural. Neste modelo, a produção era incentivada por meio de um pagamento aos artistas para dar notoriedade ao mecena. Em grande parte, eles não estavam preocupados com a arte em si, mas em estarem vinculados a ela. Prova disso foram as variadas vezes em que tiveram seus rostos representados nos quadros que pagaram.
        O interessante de toda essa história é que sem os mecenas provavelmente essas obras, quadros e afrescos como os conhecemos hoje não existiriam. Isso porque os artistas pintavam para sobreviver. A partir do momento que não lhes pagavam mais, eles paravam. Devemos o papel da arte nesses anos todos àqueles que, de certa forma, foram os antecessores da selfie?
Agora, nos olhares de quem procura uma boa foto, nas filas enormes e nos pés que escorregam pelo salão das galerias, ainda não há como dizer se esse papel se esvaiu por inteiro. Talvez ele esteja apenas aumentando, pois a arte tem uma função muito clara; ela quer ser vista para existir e causar alguma emoção. Hoje em dia, com exposições baratas e possibilidade de fotografar, é possível cada vez mais apreciá-la, conhecê-la e divulgá-la.
        Não podemos negar que as pessoas de alguma forma a contemplaram, mesmo que por fotos. A arte tornou-se democrática e tal fato é fundamental para que ela continue existindo. Mesmo que o público tenha ido para se expor e não para olhar a exposição, não podemos negar que é difícil cobrar um pensamento crítico quando o contato com algo ainda é primitivo. No Brasil, a prática de ir a museus e galerias para as pessoas de baixo nível social, e até mesmo médio, iniciou recentemente. Quem sabe as selfies não sejam também uma nova forma de chamar um público, que nunca antes havia tido interesse por esse espaço cultural ou nunca pensou que podia interagir com ele. Seja como for, começar a frequentar é o primeiro passo e nesse sentido a arte está se exercendo.
       Seria também incoerente pedir que alguém entendesse do “jeito certo” as obras, afinal, não estamos em 1964. A arte apresenta diversos níveis de expressão, que atinge inúmeros significados e significantes. É importante não crucificar as fotos e nem aqueles que não gostaram de uma exposição. Não é possível dizer que tais atitudes são ruins ou boas, porque não sabemos onde elas darão. Os mecenas resultaram de forma indireta na Capela Sistina, na Monalisa e em Davi. O que vale é procurar o papel da arte e de quem tira as selfies.

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...