22 de outubro de 2014

A garota na janela

A garota na janela observava não o céu, não seu quarto, mas a sua vida. Toda a sua vida ali, em fotos, em fatos. Toda ela a mercê do que estaria por vir. As velhas pessoas deixadas em outro lugar, que não ao seu lado, porém todos ainda perto. Não há medo. Há um querer imenso em entrar em algo novo, uma beleza no desconhecido e uma certeza de que a vida é encarregada de ser inimaginável. 
A garota estava a adorar o desconhecido e olhando o céu o adorava pelo mesmo motivo. Imaginou que triste e bonito devia ser o céu na noite dos que não tem uma luz em sua casa. Na noite que não há luz nem nas almas e o povo dorme silenciosamente, numa cantiga monótona de quem já se acostumou ao show exibido daquilo que existe.
Acostumar-se-iam como nós já acostumamos com o nascer e o pôr do sol? E pensou no seu futuro e como estava bem no aqui e agora, em tudo que havia mudado, tudo para que ela pudesse ser! Quantos anos se passaram para que ela pudesse ser o que era agora? Havia mudado, era o que importava. Enquanto isso, a paralisação supérflua das estrelas permitia que ela experimentasse a sensação do tempo estático.  Quem a visse estranharia!  Acharia, de certo, que era um fantasma em sua janela, parada, no escuro, esperando que algo além de seus pensamentos se movessem.
Estava em paz! Sabem o que é isso? Estar em paz enquanto tudo ao seu redor está desmontado, esperando quem junte as peças? É uma doce sensação, chega a ser estranha. Olhou para certo ponto acima de sua cabeça e lá uma estrela cadente passou. Nunca havia visto uma! Ela riscou o céu e sumiu num feche de luz, de modo que a garota sorriu. Achou que era possível algumas pessoas morrerem sem terem visto uma estrela cadente e respirou feliz por não ser uma delas.
Tinha a chance de fazer um pedido. Mas se é difícil pedir algo enquanto estamos nervosos mais ainda é, quem diria, pedir quando estamos perigosamente calmos. Tudo estava perfeitamente belo, todo o desconhecido era uma chama que queimava dentro dela e não havia o que desejar. Embora, de certo, não era uma pessoa sem desejos ou sem grandes sonhos. Não, isso nunca. Havia sonhos escandalizadores em sua mente, sonhos difíceis até de sonhar.
Mas o pedido era para ela, era imediato e ela esqueceu-se dos seus sonhos futuros. Sempre que pedia o fazia para o agora. E agora não havia o que pedir. Também queria pensar bem antes de pedir qualquer coisa, não queria algo que ela ainda não estaria preparada para receber. Quando estivesse pronta, então certas coisas viriam sem que fosse necessário implorar aos céus.
Pensou em desejar oportunidade para crescer. Mas que pedido arriscado, afinal, crescer nem sempre é fácil!  A chama que lhe ardia do desconhecido havia bebido tantas e tantas vezes do néctar ruim a quem chamam de dor. Era melhor certificar-se em outra coisa. O que pedir? A estrela tinha acabado de sumir e, certamente, se demorasse muito, seu pedido seria revogado.  Entraria com um processo nas leis de pedidos por um pedido que ela nem sequer sabia qual era. Pediria o direito de pedir, sem que, ao certo, soubesse até onde era permitido pedir por esse direito.
Ninguém demora tanto para pedir alguma coisa. Aliás, qualquer um é capaz de, em um dia normal, sair por aí pedindo de tudo. Desde comida, se estivesse com fome; até que as horas passassem mais rápido, se estivesse com tédio. A estrela se irritaria, e o júri comentaria, e ninguém demora tanto para pedir alguma coisa! Peça qualquer coisa tosca, garota! Peça um bom chocolate ou para ver um filme maravilhoso! 
Ora, mas certamente a primeira estrela cadente que viu em sua vida não aparecera para que ela pedisse que fizesse sol no dia seguinte. Tinha que ser um bom pedido. Tinha que ser “O pedido”. Você alguma vez já chegou a não querer nada da vida além de ser feliz? São raras às vezes em que isso acontece e a confiança é tão forte, tão grande que não se ostenta em nada, nem ninguém.
Mas alguma vez você já olhou para o céu e esqueceu-se de todos os seus anseios, todos seus sonhos e expectativas para o futuro e desejou apenas ser feliz? E não é isso que na verdade está oculto dentro de todos os outros pedidos? Finalmente, forçada pelo martelo que ditava o fim da audiência, ela fechou os olhos e desejou algo. Infelizmente não posso falar o que foi. Eu não me atreveria a tanto, caso contrário cancelaria a validade de tão bem pensado pedido.

P.S.: Texto inspirado no dia 20 de fevereiro de 2013. Dia em que vi uma estrela cadente pela primeira vez.

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