Por: Stephanie Vapsys
A família Clutter era uma típica família
estadunidense vivendo os áureos tempos do
American way of life. Herbert, o pai
da família, era um homem religioso, bom e de grande prestígio para a
comunidade; Bonnie se tratava da perfeita dona de casa dos anos 50; Nancy, por
sua vez, a filha exemplar que ensinava as colegas a assar tortas; e Kenyon era o
estereótipo do comum adolescente americano.
Os Clutter ainda tinham dois outros filhos,
que não moravam mais na pacata cidadezinha do Kansas, Holcomb. Eram ricos, mas
humildes e de grande popularidade na comunidade. Tudo estava normal, mal sabia
Nancy que estaria assando sua última torta no dia 14 de novembro de 1959, pois
ela, seus pais e seu irmão mais novo seriam assassinados de madrugada.
É em cima disso que o Truman Capote decide
iniciar aquilo que autodenominou de romance não-ficcional. Após seis anos
estudando o crime e suas consequências, o jornalista que no início queria só
fazer uma reportagem, acabou escrevendo um livro que lhe rendeu o sucesso e
alguns milhões de dólares, A Sangue Frio.
A grande sacada foi transformar os
assassinos, Dick e Perry nos verdadeiros protagonistas do romance, criando
assim um perfil psicológico para cada um. Truman conviveu com a dupla por todo
o período que eles ficaram presos, até serem enforcados, criando um relato
detalhado abrangendo a vida inteira dos dois.
O envolvimento de Capote com os assassinos
tomou uma profundidade tão grande que pode ter até desconstruindo um pouco a
ideia do não ficcional, romantizando os personagens, principalmente Perry. É
percebível a ideia que o livro tenta passar de que Dick é pior que Perry. Será
que era isso mesmo, ou era o que Truman pensava?
Ao fazer as entrevistas, Capote conversava
com os personagens sem um gravador na mão e quando questionado, afirmava que
tinha uma grande capacidade de decorar e que depois conseguia reescrever
praticamente 90% da conversa.
Apesar de ser um grandessíssimo trabalho de
história oral, é questionável quanto é fidelidade aos fatos pois já há uma
tendência do entrevistado editar a sua própria história, uma vez que a pessoa
sempre quer deixar uma história mais interessante. No caso de A Sangue Frio, essa edição acontece,
ainda, uma segunda vez pelo autor.
Mesmo com todo esse debate sobre o que é
ficcional ou não ficcional, que até o próprio jornalista já confessou ter
adicionado algo mais, o primor da obra se encontra na visão detalhista mas de
linguagem seca, tentando ao máximo suavizar a situação sem perder a essência do
que realmente aconteceu na casa dos Clutter e o que levou a dupla a tal ato.
Outro ponto alto da obra é a feroz crítica à época,
em que o que o país estava vivendo. Ao fazer flashbacks da infância dos dois,
fica claro que ninguém nasce mal, mas o meio pode os corromper. As famílias de
Perry e Dick não tiveram a mesma condição social que os Clutter e as
dificuldades que ambos passaram resultaram na metamorfose de dois homens em
dois em assassinos.
E no fim, o livro levanta uma reflexão que até mesmo os
mais ricos podem sofrer com a desigualdade social. Afinal, se Perry e Dick
tivessem boas condições, nunca seriam presos, nunca se conheceriam e logo nunca
assassinariam os Clutter.
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