18 de novembro de 2013

Resenha de A Sangue Frio

Por: Stephanie Vapsys

A família Clutter era uma típica família estadunidense vivendo os áureos tempos do
American way of life. Herbert, o pai da família, era um homem religioso, bom e de grande prestígio para a comunidade; Bonnie se tratava da perfeita dona de casa dos anos 50; Nancy, por sua vez, a filha exemplar que ensinava as colegas a assar tortas; e Kenyon era o estereótipo do comum adolescente americano.
Os Clutter ainda tinham dois outros filhos, que não moravam mais na pacata cidadezinha do Kansas, Holcomb. Eram ricos, mas humildes e de grande popularidade na comunidade. Tudo estava normal, mal sabia Nancy que estaria assando sua última torta no dia 14 de novembro de 1959, pois ela, seus pais e seu irmão mais novo seriam assassinados de madrugada.
É em cima disso que o Truman Capote decide iniciar aquilo que autodenominou de romance não-ficcional. Após seis anos estudando o crime e suas consequências, o jornalista que no início queria só fazer uma reportagem, acabou escrevendo um livro que lhe rendeu o sucesso e alguns milhões de dólares, A Sangue Frio.
A grande sacada foi transformar os assassinos, Dick e Perry nos verdadeiros protagonistas do romance, criando assim um perfil psicológico para cada um. Truman conviveu com a dupla por todo o período que eles ficaram presos, até serem enforcados, criando um relato detalhado abrangendo a vida inteira dos dois.
O envolvimento de Capote com os assassinos tomou uma profundidade tão grande que pode ter até desconstruindo um pouco a ideia do não ficcional, romantizando os personagens, principalmente Perry. É percebível a ideia que o livro tenta passar de que Dick é pior que Perry. Será que era isso mesmo, ou era o que Truman pensava?
Ao fazer as entrevistas, Capote conversava com os personagens sem um gravador na mão e quando questionado, afirmava que tinha uma grande capacidade de decorar e que depois conseguia reescrever praticamente 90% da conversa.
Apesar de ser um grandessíssimo trabalho de história oral, é questionável quanto é fidelidade aos fatos pois já há uma tendência do entrevistado editar a sua própria história, uma vez que a pessoa sempre quer deixar uma história mais interessante. No caso de A Sangue Frio, essa edição acontece, ainda, uma segunda vez pelo autor.
Mesmo com todo esse debate sobre o que é ficcional ou não ficcional, que até o próprio jornalista já confessou ter adicionado algo mais, o primor da obra se encontra na visão detalhista mas de linguagem seca, tentando ao máximo suavizar a situação sem perder a essência do que realmente aconteceu na casa dos Clutter e o que levou a dupla a tal ato.
Outro ponto alto da obra é a feroz crítica à época, em que o que o país estava vivendo. Ao fazer flashbacks da infância dos dois, fica claro que ninguém nasce mal, mas o meio pode os corromper. As famílias de Perry e Dick não tiveram a mesma condição social que os Clutter e as dificuldades que ambos passaram resultaram na metamorfose de dois homens em dois em assassinos.

E no fim, o livro levanta uma reflexão que até mesmo os mais ricos podem sofrer com a desigualdade social. Afinal, se Perry e Dick tivessem boas condições, nunca seriam presos, nunca se conheceriam e logo nunca assassinariam os Clutter.

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