De súbito, a claridade. Os olhos vermelhos e o sono impiedoso. A confusão e a pressa da manhã. Uma sequência de ações sem sentido durante o dia. A escova e os dentes, a colisão da água contra o rosto. A indecisão acerca da roupa. O pão, relutante como o trânsito. O carro, o cruzamento, o semáforo. Finalmente, a estação. Com ela, a catraca, as filas e a multidão enfurecida. O trem, inalcançável como o destino da viagem. O caos relativo ao universo. A sopa de pessoas a caminho de lugar algum. O impacto da música no ouvido. Os esbarrões ao som de Metallica, Led Zeppelin e Jethro Tull.
As pessoas e automóveis na Paulista, como acordes dissonantes da bossa nova. A solidão da companhia de desconhecidos, inconclusa como um bom jazz. O reflexo nos vidros imponentes. A goma no terno dos transeuntes. O calor humano, ausente nos olhares distantes. O apito e mais uma porta de ferro, automática e indiferente. A voz sintética. O elevador, um cubo de desumanidade. O bebedouro, única criatura generosa no universo. A sala de aula, impessoal e opressora. O professor, vítima de si mesmo, de um sistema invisível e, portanto, cego. O cenário acinzentado, acidentado como a manhã. A individualidade, tão marcante na modernidade, vazia na educação.
O sinal libertador, a manada obediente. O intervalo, outrora recreio, repleto de abraços e beijinhos e carinhos, como em versos de Vinícius. O cheiro, o dito, o não dito, o sorriso e aquele sentimento indescritível. O futuro, o passado e, por fim, o presente. Mais uma sessão. E a teoria, a prática, as ideias, o conhecimento, o estômago. Estômago? Sim, a fome, não de diversão e arte, como na canção dos Titãs, mas de comida. A também insaciável indecisão frente a tantas opções. Italiana, japonesa, peruana, árabe, mineira, baiana, Paulista. A avenida, não a comida.
Até amanhã, Paulista. As escadas rolantes, as luzes dançantes, as catracas automáticas, as vozes robóticas, o som da multidão, o bilhete na mão. A porta, o trem, a baldeação. Esteiras gigantescas, o túnel amarelo. A despedida. Próxima estação, estágio. O crachá, a pretensa seriedade, os devidos cumprimentos, o suspiro profundo antes de mais um desafio. Prazos, metas, ordens, hierarquia. A ideia, a pauta, o planejamento, a produção.
Então, o primeiro contato. O assessor, o release, o artista. As músicas no ouvido o dia inteiro, não por acaso. Na reportagem, o pagode, o sertanejo, o pop. Nos fones, o rock, o jazz, a bossa e o metal. A entrevista, as perguntas e as respostas, as curiosidades e as informações burocráticas. O texto, a revisão, a imagem, a publicação e a divulgação. A audiência. Ou não. Os e-mails, as falhas de comunicação, os problemas e as redes sociais. Ah, empresas grandes demais. Cadê meu jornalismo? Nem no ambiente acadêmico, nem no profissional.
Horas depois, a ridícula glória proletária do fim do expediente. A casa, uma distante lembrança. A noite, a rua, a impaciência. As buzinas, os congestionamentos, o estresse. A sorte da proximidade da estação. Mais corredores lotados e plataformas cheias. A dor de cabeça e a necessidade de um Pink Floyd, Miles Davis ou Moacir Santos. Nada estridente como o ruído dos trilhos subterrâneos.
A viagem de volta, o cansaço e o reencontro. O carro, as ruas familiares e a garagem. A sala, o quarto, o banheiro e a enxurrada do chuveiro contra a epiderme da alma. Após o ritual de purificação aquática, a consagração gastronômica. O escasso tempo para os trabalhos da faculdade. Para quê verbos em uma sociedade de acordos verbais sem valor algum? A extinção do fio de bigode pela frieza do papel. O fim da confiança nos cartões de crédito e cheques cruzados. O fim da essência no mundo da busca incessante por adjetivos e substantivos aparentes. O fim do dia em um estalo de sono.
30 de janeiro de 2015
23 de janeiro de 2015
Pílulas pra Alma #2
Para pensar sobre si
Estranhamente
De vez em quando
Parece que ando
Com estranha mente
Parece que ando
Com estranha mente
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Sentir solidão
É a rasa percepção
Da sua alma dizendo que não,
Pra não deixar a si em vão!
É a rasa percepção
Da sua alma dizendo que não,
Pra não deixar a si em vão!
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Às vezes chego a acreditar
Que acreditando na própria mentira
Possa torná-la verdadeira
Assim, não volto a mentir pra mim mesma
Que acreditando na própria mentira
Possa torná-la verdadeira
Assim, não volto a mentir pra mim mesma
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Gostou desses poemas? A Coruja vai continuar postando, de três em três, essas pequenas pílulas para a alma que ainda vão virar um ebook! Se você quiser ver o primeiro post, clique AQUI! Fique ligado para mais pílulas!
Poemas: primeiro por André Cáceres e os outros dois por Bruna Meneguetti
20 de janeiro de 2015
Ser escritor e jornalista: como tudo começa
Texto autobiográfico
Eu sempre me senti perdida. Um furacão em meio à normalidade, alguém tão inconstante que nunca foi muito capaz de terminar nada que não fosse obrigatório na vida. Uma estranha, mas não uma estranha qualquer. Uma estranha que escrevia. Aliás, essa sempre foi a única certeza em mim, porque, desde que aprendi, a vida inteira venho escrevendo. E é bom, pois aqui você pode ser estranha, inconstante e anormal, já que sempre vai ter alguém que se identifique, mesmo que seja o reflexo de teus próprios olhos na página em branco. E quanto mais perdida, melhor fica, porque o final se mantém surpreendente até para mim. Já o essencial é que não tenha fim! Que por mais que um texto termine, ele continue em pensamentos, na prática e na emoção.
Por isso, não poderia escrever sobre outra coisa de mim além do fato de que eu escrevo. Quase um “Humanitas precisa escrever” ou “Escrevo, logo existo”. Portanto, esse texto é a história dentro da história. Afinal, não é do nada que decidimos que é uma boa tentar jornalismo e, quem sabe, esboçar um livro, ou vários. E eu quero entender. Assim como um texto se faz, não é feito, não surge do vácuo. É um processo longo de uma ideia que fica batendo na cabeça até sair da veia, cair na circulação da caneta e ganhar asas no papel. Portanto, essa reflexão é a representação do mesmo processo. E, se me perguntam como tudo começa, lhes respondo que pensem bem. Primeiro é necessário nascer, e eu diria que nascer é primordial.
5 de janeiro de 2015
Pílulas pra Alma #1
Para entender o tempo
Numa folha eu desenho um rascunho
De tudo o que se passou desde junho
Noutra, o mais bonito desenho
Do futuro que surge com engenho
De tudo o que se passou desde junho
Noutra, o mais bonito desenho
Do futuro que surge com engenho
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O tempo pode ser seu camarada
Se por um acaso você subir alto demais
Não caia do alto jamais!
Espere. Tente descer a escada
Se por um acaso você subir alto demais
Não caia do alto jamais!
Espere. Tente descer a escada
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