Atenção! Essa é a segunda parte de um conto. Caso não tenha lido o começo, clique aqui!
Depois de tudo o que contei, certamente não há mais dúvidas sobre o quão insano eu sou, então deixemos essa questão de lado para ir ao que interessa. Eu ia atacar meu alvo enquanto ele estava de cuecas. O velho definitivamente não receberia ninguém enquanto estava guardando aquele pinto mole, então era de fato o momento mais estrategicamente seguro para atacar. Eu já tinha me certificado de que não havia câmeras na sala dele, mas esses acontecimentos recentes me confirmaram isso. Ninguém transa com a secretária sabendo estar sendo filmado. Tudo estava pronto. Finalmente, depois de horas a fio naquele maldito tubo de ventilação, eu poderia esticar minhas canelas, finalizar aquele serviço e ir embora. Abri cuidadosamente a tampa de alumínio da saída de ar e me espremi para adentrar o recinto. O alvo quase teve um enfarto quando me viu, mascarado e segurando uma pistola silenciada. Ainda estava fechando o zíper quando tentou gritar pelos seus seguranças. Eu rapidamente o imobilizei e coloquei a mão sobre sua boca. É claro que eu estava preparado para isso. Amordacei o homem e o deixei sentado em sua cadeira, ainda sem camisa, com aqueles pêlos brancos repulsivos enrolados no peito suado.
A mão firme segurava o revólver com estabilidade. O dedo se mantinha flexionado, pressionando levemente o gatilho. Eu estava, como sempre, no controle da situação.
— Você tem algum último desejo? — Gostava de dizer algumas baboseiras enquanto a vítima se cagava de medo. Só naquele momento alguém se dava ao trabalho de ouvir o que eu tinha a falar. Ninguém nunca está aberto ao outro. A menos que se possa beneficiar disso, as pessoas não estão interessadas em conhecer verdadeiramente seus semelhantes. Quando estou com meu calibre 38 silenciado apontado para a testa da minha vítima, me sinto importante, pois tudo o que eu disser, por mais idiota que seja, será ouvido com atenção. É o único momento em que grandes magnatas se curvam perante um simples anônimo como eu.
— Fui enviado até aqui por um senhor muito distinto que aparentemente precisava muito ardentemente que você estivesse fora do caminho dele. É claro que isso não é nada pessoal, são apenas negócios. Se isso te consola, sempre compro seus produtos — o velho se contorcia e ensaiava gestos como que pedindo para que eu tirasse a mordaça de sua boca.
Nessas horas eu vejo como sou dos bons. Foda-se a modéstia. Para falar a verdade, sou o melhor de todos. O que mais explicaria o fato de que eu estava no último andar do prédio da sede administrativa de uma das maiores empresas do continente, sem permissão e sem despertar nenhuma suspeita, prestes a matar o homem do ano? Já estava vendo a cobertura televisiva intensa naquele lugar e a polícia encontrando um bode expiatório qualquer. Em casos dessa magnitude, eles nunca admitem não ter pistas sobre o culpado e acabam apontando o dedo para qualquer pessoa que tenha o mínimo de suspeita. A televisão crucifica o sujeito e manipula a opinião pública para acreditar que ele realmente é o assassino. Geralmente meus clientes se saem duplamente satisfeitos, porque acabam matando dois coelhos com uma cajadada só. Quer dizer, matam um dos coelhos e colocam o outro atrás das grades.
Certa vez, meu próprio cliente se descuidou e deixou transparecer que poderia ser um suspeito em potencial. Eu sabia que ele não aguentaria nem cinco minutos em um interrogatório e cuspiria tudo o que sabe sobre mim. Por sorte, ele era podre de rico e planejou fugir do país em seu jatinho particular. Foi um terrível acidente aéreo, chocou todo mundo. Confesso que aquela foi a única vez que cheguei a deixar rastros, mas consegui encobrí-los perfeitamente e a culpa não era minha. Depois desse triste episódio, passei a orientar meus clientes para que eles não fossem pegos. Ora essa, além de fazer todo o trabalho sujo, ainda tenho de ser o consultor.
O velho estava finalmente aparentando tranquilidade, então resolvi tirar a mordaça da sua boca e ter um diálogo decente. Já nem sabia mais o que falar e estava ficando entediado. Dizem que alguns leões gostam de brincar com a presa antes de devorá-la.
— Vou tirar esse negócio e te deixar falar. Mas preste atenção. Você grita, você morre. Se tentar alguma gracinha, idem — ele assentiu e eu retirei o que obstruía sua boca. Ele não disse nada durante um bom tempo, então resolvi intervir.
— Tem algum último desejo, homem?
— Sim. Vá para o inferno — o alvo cuspiu no chão e me olhou com raiva. Senti firmeza. Gostei dele. Geralmente os tipos como esse morrem de maneiras patéticas, imploram por suas vidas, se dizem arrependidos, clamam por piedade. Esse é dos meus. Encara as coisas de frente.
— Parece que você tem dignidade mesmo seminu, hein.
— Quanto estão lhe pagando? Posso oferecer o dobro, o triplo. Garanto sua segurança pelo resto de sua vida. Quer estar em um iate em Ibiza com dez prostitutas à sua volta? Eu posso realizar isso. Providencio hoje mesmo — parece até que ele leu meus pensamentos.
— É tentador, mas você sabe quantos já não me ofereceram algo parecido? — Nada tão assustadoramente semelhante ao que eu estava pensando, mas acho que ele entendeu o que eu quis dizer. — Peço desculpas, mas vou ter que recusar. Eu tenho um pouco de ética, por mais que você possa duvidar.
— Não duvido. Aliás, acredito tanto em você que vou lhe dar uma segunda chance.
— Do que diabos você está falando? — será que ele estava delirando à beira da morte? É bem mais comum do que se imagina.
— Gostei de você. Geralmente os tipos como o seu se rendem ao ouvir falar de alguns milhões na conta bancária, uma identidade falsa e passe livre para o exterior. Você é dos meus. Encara as coisas de frente — aquilo estava começando a ficar esquisito. Juro que não sabia quem estava delirando quando, bem diante dos meus olhos, aquele velho de cuecas se libertou das amarras e se metamorfoseou em uma espécie de demônio com olhos vermelhos, asas negras e uma foice nas mãos. Caralho, de onde veio essa foice? Cadê aquela cueca borrada?
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