3 de agosto de 2015

Entre a sanidade e um cano de revólver - parte 1 de 3



Eu era o melhor de todos. Porra, eu sou o melhor. “Alma Penada Serviços em Geral”. Esse é o nome do meu estebelecimento. Não é tão atrativo, eu sei. Mas dá pro gasto. Assusta os fregueses mais desavisados. As pessoas sabem o que querem quando batem na minha porta. Não chegam até mim por acaso. Nunca fui muito do tipo empreendedor. Talvez até ganhasse mais dinheiro se me empenhasse mais na divulgação do meu negócio, mas prefiro manter a cautela e aguardar clientes de confiança. A grana não é muita, mas dá para viver. Só preciso de uns dois contratos por mês e consigo pagar minhas contas tranquilamente, com álcool, cigarros e prostitutas inclusos. Não preciso de mais nada. Para um assassino profissional, está mais do que bom, não é verdade?

 
Os pensamentos voltaram à tarefa. Lá estava eu, mofando em um tubo de ventilação fétido e imundo pelas últimas três ou quatro horas, esperando minha vítima adentrar seu escritório enquanto limpava meu revólver e ajeitava o silenciador. Aquele brinquedinho já havia mudado os rumos da história algumas vezes, apesar que ninguém soubesse. Dali saíram as balas marcadas com o nome de políticos, empresários e pessoas poderosas de toda sorte. Afinal, eu tenho um capricho na hora de aceitar serviços: só assino contratos após receber uma bala com o nome do alvo gravado e uma rosa. A polícia nunca vai me pegar mesmo, então eu gosto de dar uma pista a eles sobre cada um dos meus trabalhos. Sempre que eles encontram um projétil nomeado, sabem quem fez o serviço. É estranho, eu sei. Na semana passada, meu analista disse que eu tinha traços de psicopatia e esquizofrenia, e queria me examinar melhor para saber qual era o grau do meu distúrbio. Só não meti uma bala no meio da testa dele ali mesmo porque, metódico como ele era, deveria ter cada passo do meu caso registrado. Fiz parecer que foi um trágico acidente. Apareceu na TV e tudo mais.

 
O velho chegou no escritório acompanhado de outro executivo. Eu estava observando tudo pelo tubo de ventilação que, apesar de não ter sido limpo desde a última era do gelo, era mais confortável que a maioria dos buracos em que eu tinha de me enfiar para concluir minhas missões. Nunca fui muito do tipo Rambo, de entrar pela porta da frente atirando em qualquer coisa que se movesse. Meu estilo sempre foi mais tático e paciente. Se eu fosse mesmo psicopata, faria uma carnificina a cada contrato, mas eu tentava ao máximo me infiltrar e passar despercebido para matar apenas meu alvo. Ou será que é o contrário? Que seja, não sou um psicopata. Só preciso de dinheiro para financiar minhas idas aos bordéis da região e a única coisa que eu sei fazer bem é matar. Não é como se eu fizesse por prazer, como esses caras que aparecem no jornal. Eu tento ser o mais limpo possível também, e sigo um código de conduta próprio. Um psicopata não faria isso. Bem, não importa. Não é um analista mequetrefe que pode me dizer o que eu sou ou não sou.

 
O executivo foi embora. Parece que estavam discutindo negócios muito importantes. Quantos carros esse cara deve ter na garagem? Uns três, no mínimo. Ele é presidente de uma das maiores empresas de eletrônicos do país. Será que esses empresários não se contentam nunca? Com a grana dele, a essa hora eu estaria em Ibiza com umas dez prostitutas em um iate, e não enfiado numa salinha fazendo negócios. Muito menos no tubo de ventilação dessa salinha. Meus serviços não são baratos, eu assumo, mas o que estou sendo pago para dar cabo desse velho não deve pagar nem o terno dele. Às vezes eu me sinto fazendo algo de bom para a sociedade. Claro que não aceito qualquer trabalho. Como eu já disse, sigo um código de conduta.

 
Ainda não saí desse maldito cubículo porque o homem chamou a secretária para a saleta. No entanto, ela demorou tanto tempo que eu poderia muito bem ter acabado com o serviço e já estaria a três quarteirões daqui, andando com as mãos nos bolsos como se nada tivesse acontecido. Quando eu concluo uma tarefa, espero a rosa do meu cliente murchar e a deixo em algum local combinado para que ele saiba que está feito. É claro que às vezes eles ficam sabendo antes, seja pela televisão ou por outros meios, mas gosto de manter o ritual.

 
A secretária chegou na sala do meu alvo. Ruiva, cabelos lisos presos por um coque, óculos, terninho cinza, saia combinando, unhas vermelhas, salto alto e uma silhueta inacreditável. Fiquei boquiaberto com o que vi acontecer diante dos meus olhos. O homem abriu uma gaveta em sua mesinha, tomou um comprimido e começou a passar a mão na massiva bunda de sua funcionária. Não sabia se eu ria ou se chorava quando aquele velho decrépito começou a arrancar o sutiã dela.

 
Pelo que eu havia lido no meu relatório, ele tinha uns 85 anos. Por que ele não levou essa ruiva para dar a volta ao mundo queimando dinheiro? Agora ele estava ali, tendo a última transa de sua vida na minha frente só por que outro empresário nojento me pagou para tirá-lo do caminho. Eu nunca tinha tido que esperar meu alvo trepar para poder acabar com ele. Muita coisa curiosa já havia acontecido nos 17 anos em que eu mato gente por dinheiro, mas nada desse nível de bizarrice. O episódio que chegou mais perto foi quando eu surpreendi um deputado em sua casa e o coitado levou um susto tão grande que morreu do coração antes que eu pudesse falar qualquer coisa. Não sabia se atirava por pura formalidade ou se deixava o cara lá e ia embora. Mas pensei que, como ele morreu por minha culpa, eu não estaria sendo desonesto com meu cliente se cobrasse o valor normal e devolvesse a bala a ele.


Por sorte, o presidente da empresa de fato tinha 85 anos, o que quer dizer que a secretária acabou com ele em uns cinco minutos e voltou para seu posto. Pensei que seria engraçado surpreendê-lo enquanto ele ainda estava de cuecas. A essa altura, ninguém questiona mais minha insanidade, então não preciso me preocupar com a minha imagem.

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