Temos medo do escuro porque não nos reconhecemos na própria sombra projetada no chão. Temos medo do escuro porque, quando pequenos, nos contam que é lá onde os monstros moram. Quando crescemos, entendemos que a hora do escuro é também a dos milhares de pensamentos e que eles viram as temidas criaturas da infância.
Temos medo do escuro porque é debaixo do tapete que está a poeira e, para limpar, é preciso vê-la. Além do mais, não podemos esquecer, o escuro é onde primeiro vemos, mas temos medo de retornar para o lugar de onde viemos. Temos medo também porque, mesmo às cegas, sabemos que o escuro é o que por último vemos.
Temos medo do escuro porque o escuro está em nós. Digo, literalmente. Nas pálpebras fechadas, no buraco do ouvido, na boca aberta, no umbigo, nas narinas e em outros orifícios. E não literalmente também. Já pensou se esses pequenos buracos negros aumentam e se tornam parte do escuro de que temos medo?
Temos medo do escuro porque é o que observamos quando descansamos, beijamos, meditamos e choramos. Temos medo do escuro, porque o que os olhos não veem o coração teme. Temos medo do escuro porque os melhores esconderijos e sustos eram nele. Tememos porque sabemos que ele vem, mas também que ele se vai. Temos medo porque não enxergamos além dele. Tememos porque toda luz provoca sombras.
Temos medo do escuro porque ele é a simplificação da vida, e não queremos modestidade. Queremos algo mais, queremos ver além do escuro. Queremos a luz, sem a sombra. Queremos os pensamentos, sentir o tapete, cegar ao sol. Poder ver o buraco, a cama deitada, o rosto beijado, as pernas cruzadas, a água derramada, o lugar secreto e o dia nascendo. Temos medo do escuro porque algum lugar tem de parecer seguro, e já tão cedo aprendemos a não temer a luz.