Por André Cáceres e Bruna Meneguetti
Quando a Rua Javari é tomada por uma onda de camisetas grená, todos sabem que o
Juventus vai entrar em campo. Na manhã do dia 13 de abril, domingo, entretanto, a
ocasião era mais especial que apenas um mero jogo de futebol. O clube mais
carismático da cidade de São Paulo estava para completar 90 anos de fundação.
Apesar da festa, o time encontra-se em um dos momentos mais críticos de sua história.
O último jogo do moleque travesso antes do aniversário foi um empate sofrido diante do
fraco Cotia pela última rodada da série A3 do campeonato paulista. Por muito pouco, a
equipe não foi rebaixada para a quarta divisão.
"Acho que fica cada vez mais difícil a situação do futebol e de quem manda no clube
para querer continuar com o time e voltar a ser o que era. Precisa de uma renovação,
administração e cuidado com o marketing”, explica Hamilton Kuniochi, o maior
colecionador de camisas do time, com 120 peças, e dono do blog “Manto Juventino”,
onde mostra suas preciosidades. O torcedor exibiu sua coleção na sede social do clube,
num evento em comemoração aos 90 anos do Juventus. “ O time tem potencial, hoje o
estádio está cheio mesmo nessa situação”, diz Hamilton se referindo ao público que
encheu as arquibancadas.
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Hamilton Kuniochi, o maior colecionador de camisas do Juventus |
Entre os 1088 torcedores presentes, estavam heróis do passado prestigiando a atuação
do Juventus, porém sem esconder o desânimo. Gilberto Aluísio Junior, mais conhecido
como Nenê, começou a jogar com 18 anos e parou duas décadas depois.
"Hoje vou fazer 70 e, quando desço a Rua Javari, ainda sinto que estou indo treinar. Só
depois cai a ficha que essa fase já passou", afirma o ex-jogador, que fez dupla de zaga
com Oscar Amaro da Silva durante os anos 60 e, juntos, chegaram a marcar Pelé e
Garrincha em um jogo-treino contra a seleção canarinho às vésperas da Copa do Mundo
da Inglaterra, em 1966.
“Perdemos de 6x0”, relembra Nenê, “mas aqui na Javari a gente ganhava do
Palmeiras, São Paulo, Corinthians, só perdia do Santos de Pelé. O time era muito unido,
o treinador Milton sabia como levar os nossos jogadores ao máximo de suas
capacidades”, acrescenta, orgulhoso ainda ao lado de Oscar, que também veio ver o
jogo.
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Nenê e Oscar, dupla de zaga do Juventus nos anos 60 |
Oscar foi campeão pelo Juventus em 1971. Hoje, ele é técnico e diretor de futebol e,
assim como Gilberto, também fala sobre o clube ser um espaço de encontro social.
“Sempre são os mesmos que vêm aqui. Sabemos quem são os nossos amigos ou quem
são apenas conhecidos”.
Uma figura singular, presente em mais de dois terços da história do clube, e ainda mais
marcante no espaço social é o massagista Elias Pássaro. Com 85 anos, dos quais
dedicou 61 de trabalho para o Juventus, ele traz no semblante o cansaço de quem se
empenhou durante uma vida inteira ao moleque travesso e afirma que o time mudou
muito. “Antes tinha mais garra e as pessoas não pensavam no dinheiro", lamenta. “hoje
não chega aos pés do que era antigamente”, completa Elias.
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Seu Elias, massagista do Juventus há mais de 6 décadas |
Mas se o clube tem grandes ídolos e personagens do passado, as novas gerações
também marcam presença no estádio e na internet. A Web Rádio Mooca foi criada em
2011 para cobrir com qualidade as informações do time e também do bairro. Há três
anos no ar e sem vínculos com o Juventus, a rádio apresenta números expressivos de
audiência, chegando a ter mais ouvintes sintonizados que pessoas nas arquibancadas.
“O time tem tradição. Até brinco que a história do Juventus e a história da Mooca
estão muito ligadas uma a outra. É triste, quase caiu para a quarta divisão do
campeonato paulista”, diz Wagner Hiroi, que se tornou juventino quando passou a transmitir os jogos da equipe, diferente do narrador Raony Pacheco: “eu matava aula
pra vir aqui, venho desde os 10 anos. A rádio foi um acaso, eu era torcedor de ficar
atrás do gol”, lembra. “O que nós oferecemos não tem na grande mídia. Com relação
ao bairro, virou um ponto de informação, porque todas as transmissões são da região
da Mooca. Assim, as pessoas começam a participar mais, sabem do dia a dia da
região e conhecem mais do clube.”
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A equipe da Web Rádio Mooca |
“Eu senti que aqui tinha uma brecha, não havia ninguém cobrindo. Por ser da Mooca,
logo pensei em criar e procurar parceiros”, conta o idealizador da rádio, Marcelo
Santos. “Tem dias que temos mais ouvintes do que pessoas no estádio. O retorno de
audiência vem crescendo ano a ano. O Juventus é o primeiro time de muitos e o
segundo de quase todos”, acredita.
Apesar de todas as dificuldades, a torcida juventina continua enchendo o estádio
surpreendentemente. Entre as faixas presentes na arquibancada, os dizeres “ódio eterno
ao futebol moderno” destacam-se como lema da organizada Ju-Jovem. Outra mensagem
interessante é a que diz “Mooca é Mooca, o resto é bairro”.
A identificação do Juventus com a Mooca é de uma singularidade notável. Não existe
uma ligação tão forte assim entre um time e um lugar em todo o Brasil. “A Mooca é o
bairro mais bairrista de todos”, brinca Hamilton. “Hoje, as ligações de bairro geralmente
vão desaparecendo, as lojas começam a virar prédios, mas aqui tudo isso acabou se
tornando uma forte ligação afetiva”.
Hoje, a Javari já não tem mais a grandeza de outrora, mas manteve o charme dos
tempos do futebol romântico e tornou-se um evento social, assim como um marco da
resistência ao futebol mercantilizado. "O futebol moderno prejudica o Juventus.
Primeiro porque o jogador vendido não representa uma comunidade, com isso nós
vemos os times mais preocupados em fazer mídia e não em formar uma torcida".
Tanto os antigos heróis, quanto o maior colecionador compactuam com a mesma ideia
sobre o Juventus trazer o futebol antigo. “Na arena de hoje não pode mais gritar e pular,
porém aqui pode e as pessoas vêm buscar isso. Elas podem circular, encontrar amigos e
apoiar com fervor o seu time”, acrescenta Hamilton, acrescenta Hamilton, que logo
depois desaparece na gigantesca fila dos canollis, feliz por conhecer a magia daquele
estádio e daquele time que completava 90 anos.