27 de maio de 2014

O ABC dos deficientes visuais



Como as instituições escolares lidam e os preparam para a vida

Por: Bruna Meneguetti - Do Alto do Poste


Criadora do canal “Fila Preferencial” no Youtube, Victoria Schechter fala nos seus vídeos um pouco do universo do deficiente visual. Seu problema é genético e hoje ela tem 5% da visão, mas pode enxergar claramente o problema das instituições de ensino ao lidarem com os deficientes e deixa isso bem claro no vídeo “10 coisas que os cegos odeiam”.
     
      Victoria já estudou em três colégios diferentes e apenas em um ela encontrou o auxílio que precisava. “Eles não faziam o essencial, não querem um aluno com deficiência porque dá trabalho, mas são obrigados a aceitar”, conta Victoria, se referindo à Lei Federal de 1999 (nº 7.853/99), que prevê crime caso haja a recusa por parte das escolas em aceitar qualquer pessoa que tenha algum tipo de deficiência. Mas, para Victoria, é nítida a prioridade de “investir em dez que vão passar na Fuvest, em vez de um que vai dar trabalho”.
Ela não consegue sequer imaginar como seria essa situação na escola pública, situação que é clara para o estudante Bruno Gabriel Moreira, de 13 anos, que estudou em uma das Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI) e pode falar abertamente: “eles não tinham nenhuma especialização com deficiente visual”.
Bruno, assim como a Victoria, começou a ter problemas de visão aos três anos. O quadro dele se desenvolveu devido a um câncer que foi controlado, mas que acarretou na perda total da visão.  Hoje ele está no oitavo ano e estuda no Instituto de Cegos Padre Chico, mesma instituição de ensino de Patrick Henrique de Jesus, de 18 anos.
Um câncer levou a visão do estudante Moreira
Patrick enxergava bem até os cinco anos e estudou em uma escola pública em Diadema. Ele esclarece que o professor não conseguiria dar atenção para o deficiente nem se quisesse. Devido ao elevado número de alunos na sala (cinquenta, mais precisamente), não havia como auxilia-lo da maneira correta.
Essa situação não está presente no Instituto Padre Chico, que hoje conta com 130 alunos, a maioria entre 4 e 16 anos, distribuídos em 11 salas, cada uma com, no máximo, 15 alunos, obedecendo aos critérios da Secretária da Educação Centro-Sul de São Paulo. O Instituto é filantrópico e conta com a doação de pessoas físicas e jurídicas, além de parcerias com empresas e isenção de impostos para manter-se. Ninguém trabalha como voluntário, os educadores são registrados e precisam conhecer o braile para lecionar, apesar de familiares sem deficiência dos cegos também estudarem lá.
            “Se eu falar para você que um aluno cego é um aluno comum como outro que não tem deficiência e que a pessoa que deve se adaptar sou eu, você acredita?”, pergunta a professora Luciana Ruiz quando questionada sobre a questão de conciliar as aulas para os dois grupos de alunos.
            No Instituto são priorizadas a capacitação e autonomia dos estudantes. Eles são treinados para se orientar através do som, temperatura e ventilação, sendo que nenhum deles faz o uso da bengala lá dentro.
            Durante as aulas vários instrumentos são utilizados para explicar pelos outros sentidos o que deveria ser explicado pela visão, como o Soroban (instrumento de contas chinês), o Multiplano (usado para desenhar figuras geométricas), além de desenhos feitos em relevo de células, planetas, etc. Outro aparelho muito importante no auxílio da aprendizagem é a máquina Perkins, que produz textos em Braile.
Luciana mostra o instrumento de contas Chinês
"Não conseguiriam dar atenção nem se quisessem"

   
Caderno escrito através da Máquina Perkins
         Cada máquina custa em torno de dois mil a dois mil e quinhentos reais. Pelo alto custo e por ser um material para a minoria, a Máquina Perkins é difícil de achar, sendo um exemplo de como os recursos usados pelos cegos nem sempre são de fácil acesso.
Os audio books também funcionam como reurso de leitura para os cegos e, assim como a Máquina Perkins, encontra grandes problemas em sua distribuição. Pedro Millet, de 58 anos, membro da Fundação Dorina Nowill e desenvolvedor do aplicativo de audio book Daisy Reader, nos conta que o grupo Daisy é formado por 30 representantes de instituições do mundo todo, que são voltadas para a distribuição do livro acessível. A lei vigente do direito autoral diz que nenhum país pode exportar para outros um livro nesse formato, o que impede a acessibilidade das pessoas, limitando a circulação.
            “Obviamente a acessibilidade e educação está melhorando aos poucos, mas ainda há muito que melhorar. A adoção de material obrigatoriamente acessível para os alunos fez aumentar o número de estudantes cegos que frequentam a escola”, afirma Pedro.
            Não só a frequência dos alunos nas escolas aumentou, é notável também a existência de novas aulas e cursos, como as aulas de Atividade da Vida Autônoma (AVA) e o curso Orientação e Mobilidade, ambos oferecidos por diversos órgãos e institutos. No curso de Orientação e Mobilidade o adolescente que já pode andar sozinho na rua é orientado no período de seis meses a um ano, desenvolvendo quatro técnicas para poder andar na rua com autonomia.
            Durante este período, os cegos também são treinados para pedir ajuda as pessoas quando precisam. “Às vezes eu vejo um cego parado com uma bengala em uma esquina e alguém com muita pressa pensa que ele quer atravessar, pega no braço dele e começa a puxá-lo”, lembra Luciana.
            A fala de Luciana também é um dos itens do vídeo “10 coisas que os cegos odeiam”, da Victoria. Ela nos conta que vive se assustando com desconhecidos que pegam em seu ombro, assim como se assusta com pessoas que ficam gritando com ela.
             “A maioria das pessoas tem a intenção de ajudar. Não tenha medo de perguntar, assim você dá espaço para o deficiente responder se precisa ou não de ajuda”, diz Victoria. Patrick, que já fez o curso de Orientação e Mobilidade, afirma que a abordagem errada acontece porque a população não tem o hábito de conviver com o deficiente visual diariamente. “Eu mesmo oriento, pego no cotovelo ou no ombro e já indico como eu gosto de ser guiado”, afirma Patrick.





Um comentário:

  1. Bru, já fiz um comentário no Facebook porque vi que o André compartilhou o link mas como gosto muito desse assunto, vou comentar de novo aqui. Você esqueceu de mencionar que existem também os leitores de tela e também um recurso que aumenta as letras no computador para pessoas com baixa visão. Mas realmente, são recursos pouco conhecidos e pouco difundidos, além de não ser todo site (na verdade, nunca vi) que tem a formatação correta para o leitor de tela. Visitei uma instituição lá em Santos de deficientes visuais e achei tudo fantástico. Mas como disse, é porque me interesso muito por essa área da deficiência/tecnologia assistiva, justamente pela independência que ela fornece para os deficientes. Todo mundo tem essa coisa na cabeça de pensar que deficiente visual não consegue fazer nada sozinho mas quem sabe e acompanha nem que seja só um pouco a comunidade deficiente visual sabe que eles dançam, passeiam, cozinham e até tem um esporte próprio, competem e tudo o mais. Com o pouco que vi desse universo na minha graduação e nas minhas pesquisadas curiosas vi que é difícil mesmo hoje em dia que as pessoas compreendam, que as escolas adquiram recursos próprios para esse tipo de deficiência (e para todas as outras, para pessoas surdas, cadeirantes, enfim), e até mesmo que as pessoas parem de ter medo da deficiência. Gosto de acreditar que com o tempo essa questão será levada mais a sério e que as pessoas vão compreender mais a realidade dessa comunidade. Depois desse super comentário (hehehe), deixo uma sugestão de filme, que inclusive está nos cinemas e ganhando diversas premiações mundo afora, que, apesar de não tratar apenas do tema da deficiência visual, tem essa questão muito forte no filme. O filme chama-se Hoje Quero Voltar Sozinho e trata bastante dessa questão da (in)dependência dos deficientes visuais. Beijos!!

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