4 de março de 2016

A eternidade num pé de feijão



Algum dia você já acordou com a sensação latente da frugalidade do tempo? Uma sensação de que todos os problemas são passageiros e que, dali a pouco, não iremos mais nos deparar com eles?


Então, você olha para as pessoas em uma estação de metrô, trem, ônibus ou até de uma rua, e acontece o mais completo discernimento; todas elas vão simplesmente desaparecer. Daqui a muitos anos, ninguém que estava nesse vagão lotado continuará aqui.


Vê aquela menina? Provavelmente é a primeira vez na vida que você a avistou, mas será também a última. No entanto, vocês compartilham um pedaço de tempo próximos. Por que você está compartilhando um lapso de minutos ao lado dessa pessoa, que provavelmente nunca mais verá? Não importa e também não há no que pensar. A única certeza é que um dia ela não estará mais aqui e o leitor ou leitora também não.


Então, nesse instante de lucidez, pensamos em quantas formas há para se viver. Procuraram tanto o elixir da vida eterna, sem perceberem que apenas morremos quando todas as pessoas que se lembrarem de nós não mais forem capazes de lembrar.


E eu não estou falando da menina, que colocamos a nossa atenção. Em alguns minutos, ela não se lembrará mais de sua existência. É por isso que existem livros, músicas, danças e todas as formas de arte. Pegamos emprestado a história do outro e do mundo para podermos viver.


Por isso que Beatles pode parecer tão próximo quanto Júlio Verne. Eles estão por perto porque estamos lembrando deles quase que o tempo todo. Então, eles vivem para alguns. Mas enquanto viverem, mesmo que para um, já será o suficiente.


E os mortos também podem renascer das cinzas. Um livro escrito ao acaso após tanto tempo é capaz de revelar um autor ou história que passam a ser lembradas e, portanto, existem.


Veja que não é necessário ser Picasso. Todos os dias somos consequências dos mortos e da frugalidade que agora você sente em suas veias. Somos a reposta que nossos pais deram para o mundo, e eles são de nossos avós, e avós de bisavós e bisavós de tataravós, até que sejamos todos de uma família só.


Claro que essa reposta para a vida eterna não é o suficiente. Afinal, se pensarmos que pode existir um dia em que a população toda da terra morrerá, então quem será eterno se não há alguém para recordar? Além do mais, não há como sentir que é preciso ser eterno se não há memória.




Claro que não pensamos muito em todas essas coisas, porque a vida chama para o agora a todo o momento. Dali a segundos, os problemas voltam a ser tão imensos e intensos como uma avalanche.


O incrível é: o que nos tira dessa transe de morte e alerta para a vida e o instante não são os problemas, mas os sentimentos. Não é estranho?


Por que algo tão fugaz e passageiro é capaz de nos trazer de volta? Sentimentos. Raiva, felicidade, amor, tristeza. Qualquer um pode senti-los a qualquer hora mesmo que durante um piscar de olhos. Assim, eles estão longe de durarem para sempre em uma vida, mas perto demais de serem universais e existências. Se todos os seres humanos que existirem podem senti-los, então eles são eternos.


Talvez nada seja melhor do que a eternidade para nos acordar da própria.


Mas por que precisamos acordar? Bem, deve existir um motivo para os sentimentos desejarem que vivamos o agora. Talvez a razão seja a procriação. Uma questão biológica; não deixar que o planeta se esvazie. Para isso, também nos alimentamos e é possível gerar alimentos a partir de outros. É preciso comer arroz, frutas, peixe. Plantamos aquela muda de pé de feijão na pré-escola para entendermos que é assim que funciona a vida. E você achando que era só um pé de feijão.


E por que nos dar a capacidade de procriar e viver, gerando alimentos a partir de outros, com o objetivo de que o planeta não se esvazie? Ora, não parece óbvio? Para que todos nós possam viver para sempre. A eternidade num pé de feijão.

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