Não estranhe se eu começar esse texto absolutamente do nada.
Mas... O quão besta você é para ler até o final? Escritor é mesmo um bicho
estranho e besta, assim como todos os outros seres humanos de todas as áreas.
Mas o que é um escritor?
Não dá em árvore, que nem tia que pergunta mais da sua vida
amorosa do que do tempo, mas também não é raridade, como encontrar um trevo de
quatro folhas (apesar de ele ser encontrado em diversos pingentes, amuletos
e... Enfim, acredito não estar mais convencendo ninguém da raridade). Mas ser
escritor é isso.
É quando dá uma coceira e a gente precisa começar de
qualquer jeito, nem que seja só para começar desse jeito. Ser escritor é
escrever sobre aquilo que ninguém imaginava que renderia um parágrafo que pudesse
despistar tanto a atenção ou não ter problema em indagar o quão besta o leitor
seria se continuasse.
É declarar, do nada, que ser escritor é encontrar várias
bestas por aí e descrevê-las. Inclusive você mesmo. Uma viva a todas as bestas
do universo e à besta do escritor.
Mas vamos exemplificar, pois tudo fica mais fácil com
exemplo. Porém, se permitem uma reflexão antes, queria dizer que deve ser por
isso, aliás, que sempre que você fala sobre como sua vida é ruim ou como errou
em algo, alguém consegue dar um exemplo de como a vida do outro é muito pior ou
como o outro conseguiu sentar mais ainda na merda.
Na verdade, são dessas bestas que eu quero falar, não mais
especificamente do escritor. O escritor é apenas uma delas. Assim, para
esclarecer, eu preciso contar algumas coisas. Preciso dizer que fui ver a peça
“A Besta”, no Teatro Gazeta.
E a este momento você deve estar pensando que finalmente
ficou possível esclarecer a relação disso com tudo que eu tenho dito aqui. Não
é. Algumas vezes, uma coisa só vem à tona porque é puxada por outra. Então,
vamos supor duas situações diferentes.
Em uma delas, você é a própria besta que foi assistir à peça.
Na outra, você encontra uma besta nos bastidores. Na primeira situação, é fácil
entender o que a peça quer dizer. Existem muitas bestas por aí, ou o que as
pessoas classificam como bestas. O que não quer dizer que elas não deixam de
ser necessárias e felizes.
E existe outro tipo de besta, que é a besta que também não
se reconhece como besta, mas que, nem por isso, deve se submeter às
bestialidades da primeira, desistir de suas besteiras ou achar que não é
necessária.
Quem assistir à peça verá. E verá também muitas bestas nos
bastidores e uma em você. Uma besta que não leva muita coisa a sério, que é
feliz independente de qualquer coisa e ainda assim consegue resultados.
E também verá a outra besta, a besta sisuda, que é
pragmática, que acredita realmente em suas besteiras e também consegue chegar
lá, sem precisar se redimir ao que ela pensa que é besta no mundo.
Qual das duas está correta? Sinceramente, penso que as duas.
Mas qual das duas você tem acentuado mais dentro de você? Vamos para a segunda
situação, a situação em que você encontra a besta nos bastidores.
Às vezes não podemos evitar nos sentirmos inegavelmente
bestas. Mas lembre-se daquela história velha de que sempre tem alguém que
conseguiu ser mais besta que você. E isso não é nenhum tipo de afirmação para
se sentir superior. Isso é um fato.
Então, lá estava eu no elevador pensando o quão besta era
por acentuar pequenos problemas, quando vejo um besta ao meu lado. Nosso papo
poderia ter começado com algo do tipo: “Olá, quão besta você acordou hoje?”.
Mas não havia diálogo com aquele homem, porque no exato minuto ele era uma
besta alarmada.
- Chegou no -2??? - Ele perguntava enquanto a porta do
elevador se abria e a mulher dele falava com a cabeça girando em negativa.
Nesse momento, eu entrei no elevador.
- Eu não aguento mais! Ninguém aqui sabe me informar, eu já
subi e desci umas 10 vezes com esse elevador e não chego no -2.
E, sim, ele era uma besta puta. Puta da vida, para
esclarecer.
Meu pai começou a explicar que o elevador finalmente estava
descendo para o -2, porque estava marcado na porta. Confesso que era um
elevador diferente e não muito fácil de entender. Mas, enquanto a porta estava
quase fechando, lá estava ele do lado de fora do elevador apertando o -2 novamente.
- Entre! O elevador vai fechar! - A mulher berrou. E ainda
bem que berrou, se ele já estava daquele jeito por não conseguir chegar ao -2,
imagina o que faria se a porta do elevador fechasse e demorasse para chegar o
outro. E imagina se ele ficasse sozinho e jamais chegasse ao -2, ou chegasse e
sua mulher não estivesse lá e ele não a encontrasse nunca mais.
Mas, por sorte, ele conseguiu entrar porque meu pai segurou
a porta. E entrou furioso, berrando aos quatro ventos que não conseguia chegar
ao -2, embora já estivesse descendo até o -2. Quando o elevador parou no -1, que era onde eu
desceria, ele desceu também.
Repetindo, era o -1. Aquela situação já estava me
incomodando e eu queria pedir que a besta dele parasse de dar coices e ouvisse
um pouco.
Portanto, mesmo comigo, meu pai, minha mãe e sua mulher falando
que aquele era o -1 desde que o elevador parou, ele desceu furioso. Sua mulher
desceu também para puxá-lo para dentro enquanto tentava manter a porta aberta.
Meu pai colocou a mão na porta novamente para que não
fechasse, enquanto tentava explicar ao cara que era só esperar a porta fechar e
o elevador desceria até o sagrado -2. Ele chegaria ao seu destino e poderia
contar a todos como tinha enfrentado o perverso elevador para que pudesse
alcançar a glória do -2.
Não sei se um dia ele irá rir disso, espero que sim.
Enquanto a porta fechava atrás de mim, pensei que ele podia muito bem ter
utilizado a escada, que se encontrava ao lado. Veja bem, se você não sabe lidar
com algo complexo e rápido, tente algo fácil e lerdo. Você vai chegar lá.
E então, eu pensei em todo o caos, no qual faço o meu
cérebro quase se matar por ter que descer ao -2 e não conseguir chegar lá com
facilidade (por mais que seja a coisa mais simples do mundo). Respirei aliviada
de certo modo - tenho que admitir, mesmo que isso acarrete em julgamentos -,
porque a minha besta interior tem uma forte tendência de causar com coisas
simples, mas não chega ao nível daquele cara.
Quando encontrei essa besta, nem que tenha sido besta por
alguns segundos, pensei que nem sempre a gente é tão besta quanto parece. O
importante, na verdade, é saber que a besta está lá. É tentar dominar a besta
que não quer nada com a vida ou a besta que leva a vida a sério demais.
E eu pensava “graças a deus que não alcancei ainda esse nível
de bestialidade”. Foi quando meu pai disse:
- Vocês reclamam que eu sou estressado, agora acho que sou
até bem calmo.
E eu percebi que a
besta dele também estava se olhando no espelho e dizendo algo como: “Não comece
a me deixar guardada no estábulo”.
Que a besta então, reine com sabedoria e que tenhamos
conhecimento de que ela está lá. Não adianta se iludir e dizer que ela não
está. Ser besta é bom às vezes. O importante é saber lidar com ela.
O importante é não nos crucificar só porque carregamos a
besta às vezes e continuar, mesmo que ela até tenha apelidos ruins como
“estresse”, “raiva”, “preguiça”, “ciúme”, “descompromisso”, “maldade”, etc.
Pois é, cada um sabe da besta que cuida e até que nível ela
é necessária. O que é um escritor? Alguém capaz de falar dessas bestas.
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