“Ainda bem que as letras não multiplicam ou dividem”, pensava comigo quando era uma criança e estava no começo do aprendizado, me desnudando entre o português e a matemática. “Elas só subtraem e somam, ao menos”, concluía, toda feliz, porque a tabuada era algo lastimável, mas somar palavras era o evento mais lindo de uma conversa. Nas brigas eu também gostava quando meus pais subtraíam algumas, não queria ouvir muito.
Era isso que pensava enquanto minha professora de matemática mostrava, com uma expressão convincente no rosto, que os números eram a coisa mais linda e exata do universo. Mas quem gosta de tanta lógica assim na vida? Não poderia inventar nada porque os algarismos não se permitem virar um simples anagrama ou um vocábulo novo. Para resumir, quatro mais cinco jamais poderia dar dez. Todos naquela sala deveriam admitir. Era um limite sufocante, já que é muito mais fácil pensar em dez do que em nove.
Porém, no português não era assim. Esperava pacientemente pela aula da minha professora favorita porque ela me dizia que não havia tantas restrições. Toca poderia ser um lugar onde o coelho se esconde, como também poderia vir do verbo tocar. Assim, “o coelho toca” e pronto. Não pensamos necessariamente em sua toca, mas que ele é muito habilidoso com algum instrumento. De repente, ele poderia ser um maestro em meio aos coelhos e tocar para todos os animais da floresta. Subitamente ele era um astro e mais respeitado do que o rei da selva. Desse jeito ficava tão fácil partir do mundo real para o imaginário, dar uma boa escapada da aula de matemática.
Minha professora falava, mas tudo parecia um grande devaneio. Ela gostava de insistir que quatro vezes cinco era vinte e não tinha nada mais além disso. Naquela época eu não sabia, mas as letras multiplicavam-se e dividiam-se também. Demorei muito tempo para aprender que a língua desconhece limites, que ela pode mergulhar em qualquer universo, atrapalhar tudo e sair de lá como quem não quer nada. A palavra é a mesma que entrou, sem grandes mistérios.
Durante a aula, o três virava o vilão do quatro no meu caderno, porque o três era menor que o quatro e queria ser maior. O tédio me dominava e eu queria criar uma história, porque havia acabado de conhecer melhor o português e achava que dava para originar algo com qualquer coisa. Eu sabia que a culpada não era minha professora de gramática, mas a minha avó. Sentava-me quieta enquanto a mãe da minha mãe tentava juntar as palavras, deixando uma pitada de curiosidade em meus olhos. Logo também conheci o que era ler um livro, e as palavras eram tão fáceis, as letras fluíam enquanto todo o resto não entrava na minha cabeça.
Naquele momento, decidi que contaria histórias como a minha avó, mas as escreveria porque também descobri que as palavras podem ser danadas e fugir. As letras eram isso, um acalento, uma memória bem guardada, um refúgio da divisão. Dava até mesmo para falar com elas quando estava triste, era tudo uma questão de imaginação.
Lógico que, depois de um tempo, seu emprego foi se tornando cada vez mais difícil. E como era insuportável a caligrafia, nesse quesito acho que nunca nos demos bem. Mas não importava, porque eu sempre a entendia e ela sempre me entendeu. Porém, quando o sinal tocou para a aula de português, me tirando daquela confusão numérica, entrei novamente em um mundo conhecido.
Hoje, queria que esse texto fosse simples como era a minha mente naquele tempo. Atualmente sei o poder das palavras e o quanto elas podem ser tão complicadas quanto a matemática, me perco em meio aos seus sentidos e significados. Sei que podemos multiplicar frases boas para alguém ou dividir bons textos com outros. Nas aulas da faculdade, elas parecem escorregar das minhas mãos em meio a um vazio sem fim, mas tudo bem. Amor não se explica. Hoje vejo que quando a professora de português entrou na aula, me veio um sentimento estranho, quase como se a felicidade tivesse entrado. O mundo estava mais belo, mesmo com as decepções de notas. Talvez isso também faça parte do amor, não importando muito quem tente convencer que nossa relação não é nada disso.
vetorialmente falando, 5 +4 pode dar qualquer valor entre 1 e 9. quanticamente falando a luz pode ser entendida como energia ou como particula ao mesmo tempo. a matematica não é tao exata quanto pensas hahaha. beijo bruna.
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