30 de dezembro de 2014

Crônicas do Espaço #2


Alô, meus queridos confidentes. Desculpem a pressa com a qual introduzi nossoprimeiro contato, mas vocês não sabem o quão desesperador é estar em um planeta sem gravidade fixa e estável. Se os senhores pudessem ter noção de quão sortudos são por viverem em A1-C3 - quer dizer, a Terra - nunca teriam destruído todos os recursos desse lugar para se verem obrigados a explorar outros sistemas solares.

Por sorte, consegui pegar carona em uma nave de comerciantes que estava de passagem por aquele planeta esquisito. Vou fazer uma nota mental para nunca mais voltar àqueles lados da Andrômeda - por falar nisso, ela está cada vez mais próxima da Via Láctea, o que dá uns cartões postais incríveis. Ah, mas como eu ia dizendo, me desculpem pela falta de educação. Eu me chamo Zarg, e sou tatatatatatatataraneto do último terráqueo, ou seja, sou praticamente o parente mais próximo que vocês encontrarão em minha época.

Entre as várias coisas da Terra que eu nunca pude contemplar, mas da qual tenho consciência da existência, uma das que eu mais gosto é a música. Quer dizer, não que não exista música em outros lugares do espaço. Claro que adoro as famosas orquestras de explosão nuclear de F4-C6 – sim, eles acabaram com toda a vida do planeta criando essas explosões com variação de intensidade que produziam deslocamento de ar e, na concepção deles, era a música mais sofisticada do universo conhecido. Hoje em dia esses espetáculos só acontecem em corpos celestes não habitados por motivos óbvios de segurança e são transmitidos todo ano para todo o espaço.

Mas fiquem tranquilos. Eu discordo deles. Já tive a oportunidade de ouvir gravações de Tom Jobim, Queen, Jethro Tull e outros músicos da Via Láctea e sou um verdadeiro apaixonado pela arte terráquea. Talvez um dos poucos fãs que sobraram depois da debandada da sua raça em busca de novos planetas.

A maioria dos alienígenas gosta de alguns ruídos aleatórios sem nenhum tipo de harmonia ou andamento organizado, muito semelhante à música eletrônica de vocês. O que significa que, se os jovens de sua época resolvessem sair por aí numa expedição espacial, eles encontrariam discotecas bastante parecidas com as da Terra.

Vou falar baixinho, mas o que vocês tocavam por aí era bem melhor do que os caras que me deram carona estão ouvindo por aqui. Eles são uma raça evolutivamente primitiva de uma galáxia muito distante e têm um sistema auditivo pouco desenvolvido. A música para eles é sentida pelas vibrações do ar em contato com a pele gosmenta deles, então eles investem tudo nos graves.

É bem semelhante a um estilo terráqueo do qual não me lembro muito bem o nome agora... funk carioca! Isso! Ops, falei alto demais! Mesmo com as limitações eles conseguiram me ouvir e acho que não gostaram muito. Parece que vou ter problemas por aqui. Se eu sobreviver, falo mais com vocês, meus ancestrais. Até a próxima! Câmbio e desligo!

Perdeu a primeira crônica enviada por Zarg para a humanidade? Não tem problema! A gente busca ela do buraco negro em que ela foi parar. Clique aqui para ler o primeiro episódio!

12 de dezembro de 2014

Crônicas do Espaço #1


Olá, meu caro ancestral. É uma honra poder me comunicar com o passado distante. Caso você ainda esteja vivendo no planeta A1-C3, essa mensagem foi enviada com sucesso. Oh, me desculpe. Talvez vocês ainda conheçam esse corpo celeste como “Terra”, certo? Ainda me esqueço que um dia ele foi visto como o único lugar habitável do espaço.

Caso os receptores desse sinal estejam sentados confortavelmente em alguma espécie de assento, considerem-se alguns dos seres mais sortudos do universo conhecido. Posso afirmar com propriedade que pouquíssimos planetas existentes oferecem a possibilidade de se sentar de maneira aconchegante como a Terra – por mais que eu só a conheça por meio dos relatos de antepassados distantes.

8 de dezembro de 2014

O dia em que a arte morreu



20 de setembro de 2115
Quem sou eu? Penso que estou ficando louco. Neste momento desci ao porão para escrever e permaneço debaixo de uns toldos, ao lado de baratas e ratos. Essa folha é um pouco pequena demais e, por isso, minhas palavras estão tão miúdas. Mas é a primeira que vejo em 10 anos um lápis! Não o via, desde que baniram o coitado. Mas o que pode fazer um lápis? Muito. O lápis é símbolo de revolução. Porém, já estou velho demais e cansado para isso.
Lembro-me daquele outono. Provavelmente, seria a última apresentação de dança de Merlly e de muitas outras. A minha amada estava tão nervosa. Sua apresentação foi divina, mas poucas pessoas estavam lá para ver a última dança. Todos tinham muito medo. Naquele dia noticiaram na rádio que não passariam mais músicas e todo o tipo de arte deveria ser extinta. Quando Merlly terminou, ela caiu sobre o palco e desabou em choro como nunca vi na vida.

5 de dezembro de 2014

Coruja Cult #1: Tim Maia - Da Tijuca para o mundo

Se há uma palavra que possa descrever Tim Maia, essa palavra é: intenso. A intensidade com que o cantor vivia cada momento de sua vida, quando tentava se sobressair contra quaisquer dificuldades era sempre extrema. Os extremos na vida dele também foram recorrentes: do jovem Tião entregador de marmita da Tijuca ao Rei do Soul brasileiro em 1970 e, depois disso, ao seu declínio causado por si mesmo - pela sua arrogância e seus excessos. Assim, Sebastião Rodrigues Maia é descrito com detalhes, durante 2h20min na sua cinebiografia, baseada no livro Vale Tudo - O som e a Fúria de Tim Maia.

O filme conta desde a sua infância até seu último verso cantado em seu último e fatídico show no Teatro Municipal de Niterói, em 15 de março de 1998. “Vou pedir...”. Em seus primeiros anos, na Tijuca, Tião da Marmita era o caçula dentre 11 filhos, e tentava buscar o seu espaço no mundo. Desde cedo, lidava com situações que moldaram o seu caráter explosivo e tão volátil. Volátil num sentido literal: de mudar de opinião sem o menor pudor e voltar a uma opinião antiga num simples piscar de olhos. Isso é visto claramente durante a exibição daquilo que foi chamado da sua “fase racional”, quando Tim Maia virou um adepto da Cultura Racional. 

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