Não havia um doce final de semana em que eu não ia ao parque, olhava a natureza, ouvia o canto dos pássaros, as folhas balançando, as crianças brincando, os risos, os cachorros, a doce canção da paz e, é claro, a maldita gaita de fole. Ah! Tudo seria tão mais lindo se não houvesse aquela gaita! Uma vez cheguei a dizer que deveriam lhe proibir de manifestar tal música hedionda. Não que eu achasse mesmo isso. Muitas vezes a gente não acha mesmo o que diz pensar achar. Um dia, a agonia era tanta que surgiu a vontade de perguntar de onde era aquele homem que produzia tal som e porque diabos ele estava lá. Eu não sabia até então, o que realmente pensava da gaita de fole.
Chegando perto do homem, fiquei ouvindo aquele som desafinado que ecoava por todo o lugar. Ele olhava para mim e sorria com os olhos, empenhando mais fôlego em fazer o objeto musical funcionar da pior forma possível. Foi tanta a emoção e atuação dele que eu quase temi que houvesse alguma plateia atrás de mim. Ele estava realmente focado em fazer a pior música do mundo.
Conversamos, perguntei de onde surgiu a gaita de fole e se ele era daquele lugar. Não. Algum parente, quem sabe? Não. De onde surgiu a ideia de tocar (essa coisa horrível) essa maravilha? Ouvi alguém, um dia. Ah entendo! (Como assim ouviu e ainda por cima quis tocar?). Como ela funciona? Você sopra aqui e aperta aqui! Hm. Quer tentar? Não, pelo amor de Deus! Ok. Onde você aprende? Tem um lugar aqui perto que ensina só isso. Que legal, (por queeeê??) mas você paga? Não, é de graça. Ah (agora tudo faz sentido), e você treina aqui, então? Sim, é bom porque é bem aberto e não faz eco, não tenho onde treinar. Entendo (alguem, por favor, arranje um lugar ao pobre homem), que demais!
Sai sorrindo e lhe desejando boa sorte. Todos os fins de semana, quando chegava lá irritava quem estivesse comigo ao tentar imitar e cantar o TAAAAAAN NÃ NÃ NÃ NÃ TAAAAAAN NHÉ NHÃ TAN NÃ! E, depois, perguntava a mim mesma se ele estava lá. Ia até a beirada da escada reparar. Não ouvia nada. Mas, enquanto tentava resguardar a minha paz interior, começava um som estridente da música ruidosa e mal treinada que aquele cara metido a escocês se dispunha a deixar ainda pior. Portanto, era óbvio que todo fim de semana eu chegava lá, amaldiçoava a gaita e o homem, quiçá a Escócia. Porém, outro dia cheguei e ele não estava lá. Por que ele não estava?
No final de semana seguinte também. O homem da gaita de fole nunca mais apareceu. Eu poderia apreciar agora toda a música dos pássaros, o som dos risos, das árvores e do cachorro e não haveria a gaita de fole para me atrapalhar. De repente, uma melancolia começou a me invadir. Já faz uns seis meses que ele não aparece e há exatos seis meses eu me entusiasmo ao pensar na perspectiva de que talvez ele esteja lá. Esses dias ainda, me passaram um vídeo de um homem que tocava uma gaita de fole de um jeito muto bom. E, o melhor, a gaita dele soltava fogo conforme ele tocava. Brinquei que se o homem da gaita do parque tocasse assim, não teria sido expulso. Ah, esse humor negro. Às vezes ele vem disfarçado pra gente, de forma a amaciar algo dentro de nós. Na verdade, eu temi que o homem tivesse sido expulso.
E se lhe falassem que ele tocava mal? Coitado! Poderia nunca mais tocar. Quem sabe ele seria o novo astro da gaita de fole! Foi aí que eu entendi: queria que ele estivesse lá para me atormentar. Queria um tormento em minha vida simplesmente porque quando tudo é harmonioso demais, a vida fica sem graça. Somos mesmo assim, sempre procurando algo do que reclamar. Quando se resolve, logo procuramos outra coisa para poder reclamar. Hoje, tenho plena consciência que eu adorava a gaita de fole, mas que se ela voltasse eu a odiaria pelo simples motivo de que meus sentimentos precisam de um desequilíbrio. Se sou assim com música, imagina com política, cinema, poesia, aulas, estresses do dia e alegrias. E se você acha que já sentiu algo parecido em algum dia, então talvez já tenha deixado tocar uma gaita de fole na sua vida. Mas como na vida nada é por acaso, outro dia estava tocando funk.