Por: André Cáceres e Bruna Meneguetti
No caso de um impeachment ou renúncia da presidente Dilma Rousseff, não serão convocadas novas eleições, não ficaremos sem ninguém no cargo máximo do poder executivo e não será o segundo colocado nas eleições de 2014 à presidência que vai assumir o posto. A despeito do que muitos pensam que deve ocorrer, a Constituição da República Federativa do Brasil prevê que o presidente seja deposto de seu cargo apenas sob algumas hipóteses específicas:
Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:
I - A existência da União:
II - O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados;
III - O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
IV - A segurança interna do país:
V - A probidade na administração;
VI - A lei orçamentária;
VII - A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;
VIII - O cumprimento das decisões judiciárias.
Ou seja, primeiro ela deve ter algum tipo de ligação com o caso da Petrobras para que seja considerada culpada, apresentando imperícia, negligência, imprudência ou omissão. Em outras palavras, a presidente precisa ter cometido um ato irresponsável, tomado uma decisão extremamente incompetente, deixado de ter os cuidados necessários ou se mantido em silêncio e conivente com algo muito errado para que seja possível tentar tirá-la do poder.
O outro lado da questão
Mas também é importante mostrar o lado defendido por aqueles que querem o impeachment. Estes falam sobre a constitucionalidade do impeachment porque Dilma Rousseff estava ligada à Petrobrás como presidente do conselho administrativo da empresa enquanto o esquema de corrupção deflagrado recentemente ocorria, o que pode configurar omissão. Juridicamente é possível abrir um processo de impeachment, mas nada garante que ele se sustente, pois a lei afirma que é necessário um crime de responsabilidade, onde a conduta do presidente vá contra aquele artigo que citamos da Constituição. A atual presidente da República pode até ter cometido os chamados “crimes de culpa”, ou seja, quando não se tem a intenção, mas não de “dolo”, quando o ato é intencional. Por isso, talvez o caso da Petrobrás não seja suficiente para uma intervenção tão grave como seu afastamento. No entanto, Dilma não será investigada porque, pela Constituição, o chefe do poder executivo não pode ser investigado no período do mandato por atos estranhos ao exercício do cargo. A justiça não pode abrir investigação contra a presidente por um ato cometido antes de ela subir ao poder.
Portanto, mesmo que não seja impossível iniciar esse processo, ainda faltam evidências que liguem Dilma a ações ilegais que sejam passíveis da perda de seu cargo como presidente da República, segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki e o procurador-geral da República Rodrigo Janot. Eles também avaliaram que Aécio Neves, citado na delação premiada, não deveria ser investigado por evidências insuficientes, é importante lembrar.
Para que o suposto impeachment de Dilma ocorra, também é necessário que o processo passe por votação na Câmara e no Senado, e em ambas as casas, dois terços dos parlamentares devem se posicionar a favor do impeachment. No entanto, 57 dos 81 senadores são parte da base aliada do governo, sendo apenas 18 de oposição e 6 neutros, que poderiam pender para o lado opositor num cenário de votação. Frente a esses números, a única forma de mudar isso se dá nas ruas, como muitas pessoas vêm tentando fazer.
Se ocorrer impeachment, quem assume?
A resposta não é Aécio Neves, como muitos manifestantes pensam. Uma nova eleição, como outros acreditam, é a alternativa mais improvável, pois contraria totalmente o que reza a Constituição. Independente do resultado das eleições, legalmente o sucessor do presidente é sempre o seu vice, no caso Michel Temer, do PMDB. É bastante provável que isso deixe descontente tanto quem dá apoio à situação quanto os opositores. Alguns podem não se lembrar, mas Itamar Franco, que foi presidente entre 1992 e 1994, era vice de Fernando Collor de Melo quando ele sofreu o processo de impeachment e renunciou.
O lado escuro
Nesse cenário nebuloso, há um perigo maior ainda: a intervenção militar. Muitos dizem que não pedem a volta da ditadura, mas é inegável que existem diversos setores da sociedade e movimentos que estão exigindo uma intervenção por parte do exército e das forças armadas. Além de ferir a Constituição, um novo golpe iria com certeza abrir feridas profundas na nossa jovem democracia que ainda engatinha após um período longo de obscuridade. Se você acha que atualmente a mídia oculta muitas coisas e que omissões por informações ocorrem, esteja certo de que vivemos pelo menos em uma boa claridade quando comparada a época da ditadura. É esse escuro que parte das pessoas que não apoiaram o ato de domingo estão temendo.
Para quem acredita que tal escuro era um ambiente tranquilo, vale lembrar que até mesmo crianças já foram presas, vistas como “miniterroristas”. Jornalistas eram torturados e mortos, como o caso do Vladimir Herzog que a mídia, primeiramente, divulgou como um suicídio. Além disso, diversas pessoas eram torturadas com paus de arara, onde ficavam amarradas longe do chão. Havia choques elétricos até a morte, afogamentos com capuz, e as mais diversas atrocidades. Se quiser mais, clique no link, aperte Crtl + F e digite “métodos de tortura”. Além disso, muitos acreditavam que o país ia muito bem naquela época. Mas a verdade era muito omitida, a escuridão não permitia ver nada. Por exemplo, na educação foram muitos baixos os investimentos e na saúde muitos dos atendimentos eram restritos. Enfim, para quem acha que a ditadura era legal, é extremamente recomendável ainda ler esta matéria.
Portanto, em meio a este futuro que se apresenta como escuridão também há que se levar em conta duas coisas. E dizemos um futuro escuro não pelo pessimismo, mas porque simplesmente ainda não o conhecemos. Para um impeachment, deve haver provas legais contra a presidente. Somente nesses casos, o Parlamento pode interromper o mandato. Ou seja, isso significa que, segundo a lei, você não pode simplesmente pedir o impeachment por ineficiência no governo ou por achismo de corrupção, pois isso seria um golpe. Por outro lado, não há como investigá-la, na atual condição de Presidente por um ato cometido no passado, o que deixa diversos questionamentos sobre as justificativas que foram dadas para que o nome dela saísse da lista de investigação. Neste caso, não seria certo que ela fosse investigada e não seria uma defesa perfeita da democracia, pois estariam dando um esclarecimento muito maior e límpido sobre toda a questão?
É claro que estamos todos descontentes com muitas coisas, incluindo os frequentes escândalos de corrupção que, é preciso dizer, acompanham a nossa história há muitas décadas - séculos, há quem diga -, e não iniciaram recentemente. Os desvios milionários de dinheiro remontam também ao governo de Fernando Henrique Cardoso, apesar de poucos se lembrarem e de a imprensa não ter divulgado tão veementemente esses desmandos. Por isso, é totalmente possível entender a revolta da população. Nenhuma sociedade pode se manter corrupta pela eternidade sem arcar com as consequências e exigências do povo diante de tudo que já foi feito. É nesse sentido que o impeachment pode ser visto como solução. Mas será que ele, de fato, é?
Próximos passos possíveis?
É preciso fazer que mais do que lutar contra a corrupção, é necessário realizar melhorias muito mais profundas no país. Fundamental para uma democracia é sair às ruas pedindo melhorias na educação, na saúde, nos transportes, na segurança, no saneamento básico, na moradia, na distribuição de renda e em tantos outros temas que se torna nebuloso mobilizar milhões de pessoas para pedir a saída da presidente, sendo que ela não governa sozinha e que os grandes problemas estruturais do Brasil vêm de muito tempo atrás. Se Dilma fracassou em manter a estabilidade econômica, não há como negar que ela deu continuidade ao trabalho realizado por seus antecessores. Assim como ela falhou em diversos pontos, também obteve sucesso em uma série de medidas.
Em um governo, nunca há apenas aspectos positivos ou negativos. Todo governante é suscetível de erros. É importante pontuar que ela é apenas uma dos milhares de políticos que existem Brasil afora, entre deputados, senadores, governadores, prefeitos e vereadores, todos eleitos por voto popular. Por exemplo, há vários nomes de suspeitos (que estão em diferentes partidos) envolvidos na operação lava jato. Não é só o problema exclusivo envolvendo o PT ou da presidente. Ela representa somente o poder executivo, não interferindo nos poderes legislativo e judiciário, o que significa que ela não é uma monarca totalitária para que seu afastamento tenha tanto impacto assim no país.
É necessário sempre repensarmos. Será que estamos procurando as melhores saídas? Será que deveríamos fazer uma reforma política? Em que aspectos ela seria feita? Um novo governante do PMDB como Michel Temer faria grandes mudanças? Afinal, por que eleger pessoas diferentes quase nunca altera para muito melhor a situação atual de nosso país? O problema são eles, que agem de maneira errada; nós, que não sabemos pedir; ou os dois em conjunto? Temos sim que pressionar o governo por políticas que atendam às necessidades do povo e trazer pautas claras e definidas, respeitando o processo democrático e criando um ambiente de debate saudável que possibilite mudanças reais no Brasil, sem abrir precedentes para que os lamentáveis ocorridos de 1964 voltem à tona e entremos novamente em um período de escuridão. Afinal de contas, motivos nós temos de sobra para ter medo do escuro.
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