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Ademir Moreno Aguilar: o profissional de números e amante de letras |
“Técnico em Eletrotécnica, Bacharel em Matemática, atuando como Analista de Sistemas, casado e com dois filhos”. Essa poderia ser uma definição simplista da vida de Ademir Moreno Aguilar, mas, por trás de seus olhos claros e seu sorriso espontâneo, há muito mais do que um mero homem trabalhando com as ciências exatas. Ele ganha a vida com os números, mas tem sua verdadeira paixão nas letras: escreve livros infantis, contos e crônicas por puro prazer.
Sua história com a escrita vem de muito cedo, mas começou para valer quando ele estava no cursinho. Acostumado aos textos burocráticos das redações de vestibular, o jovem estudante teve dificuldades para chegar às quatro páginas demandadas pelo primeiro concurso literário em que se inscreveu, em 1984. A partir daí, o tamanho das obras só aumentou. A primeira boa colocação surgiu em 1987, no II Prêmio Jorge Andrade e, três anos depois, venceu as duas primeiras edições do Concurso Municipal de São Caetano do Sul.
Talvez por incentivo desses prêmios recebidos ou pela personalidade estressada, que expressa de forma tragicômica em seus escritos, Ademir já chegou a largar o emprego em que estava para ter de volta o que sentia falta e era essencial para sua escrita: o ócio. "Depois percebi que me dediquei mais procurando um trabalho de meio período para ter algum tempo do que escrevendo, e voltei à velha rotina". Teria dado ainda mais certo se não tivesse desistido? Não há como saber.
O fato é que o escritor ficou entre os três melhores no concurso “Los Niños Del Mercosur”, em 2008, disputando com autores de toda a América do Sul, e viu seu conto “Extinção” ser publicado em português e espanhol. Mas veio também a era digital, e Ademir começou a escrever em seu blog “Conto Gotas” histórias de até 500 palavras para se adaptar ao ritmo corrido de sua vida e aos novos tempos em que ninguém mais tem tempo para leitura.
Os olhos verdes que mostravam um mundo habitado e o universo grandioso que há dentro daquele homem não poderiam desmentir que ele é um escritor. Trazendo à tona o lado humano das ciências exatas, o improvável autor premiado, com seus cabelos grisalhos e suas roupas confortáveis, admite redigir os melhores relatórios entre os funcionários da empresa. "As pessoas acham estranho, mas me elogiam porque consigo transformar aquela linguagem técnica em algo agradável de ler", conta ele, que sente o ego massageado pelos elogios.
Talvez pelo fato de lidar com números em sua carreira, ele tenha tanta afeição por um em específico: o 36, que considera místico em sua vida, e foi tema de uma de suas crônicas. Vários fatos marcantes ocorreram no minuto trinta e seis, como a última página escrita de seu primeiro livro, a hora de envio de e-mails que decidiam finalmente algo importante e o conjunto do prédio onde trabalha atualmente. Mas toda essa história começou no seu primeiro emprego com carteira assinada. Às 17h36 minutos, quando estava prestes a ir embora para casa, Ademir estabeleceu para si um monte de regras e, com elas, parou de gaguejar por 50 dias. "Quando voltou a acontecer, foi no telefone, na casa de uma cliente. Para não demonstrar a dificuldade, evitava dizer muitas coisas, mas dessa vez tive que falar e deveria ser rápido. Lembro exatamente da cara com que a mulher me olhou e como me senti péssimo nesse dia", conta o escritor.
Apesar de Ademir ter uma memória incrivelmente boa, o que pode ter aparecido tanto devido aos números quanto à quantidade de leituras, o escritor tenta nos convencer que esta é meramente uma impressão. Porém, não consegue. Além de outros detalhes ele lembra o dia exato em que sua mãe sugeriu a profissão que talvez teria seguido. "Foi apenas uma vez que ela citou o jornalismo e eu lembro bem como isso logo foi convertido para uma teoria hipotética e abstrata. Um gago repórter?", conta o escritor, lamentando a falta de conhecimento na época e provando que às vezes devemos fazer o que gostamos, mesmo que as circunstâncias apontem para outros caminhos.
O interessante é que Ademir nesse sentido não é muito "tal pai, tal filho", pelo menos não sobre a falta de incentivo que teve. Por incrível que pareça, na família do analista de sistemas Ademir todos têm seu lado artístico e ele os apoia. Sua mulher, Marisa da Silva Moreno, é dona de casa e poetisa, com diversos poemas publicados em antologias, um livro de poesias próprio e uma história infantil escrita em versos, num livro dividido com o marido. A filha Monise é estudante de artes na Universidade de São Paulo e exibe desenhos espalhados pela casa.
A residência é um capítulo à parte. Localizada num bairro afastado de São Caetano do Sul, no ABC paulista, que transmite a sensacão de lugar interiorano no meio de uma cidade agitada, a casa abriga, além dos cachorros e de um porquinho da índia, uma passagem secreta por dentro de um guarda-roupa para um salão com uma mesa de pingue-pongue, o que revela um dos hobbies do homem que usa o tempo do fretado para escrever.
Leonardo, o filho mais novo, ainda não demonstrou aptidão clara para o universo artístico, mas foi fundamental para ajudar Ademir a driblar a gagueira, quase imperceptível hoje em dia, e se aceitar. Tal fato ocorreu há pouco tempo, cerca de um ano. Para ele, "um filho às vezes vem pra gente ajustar umas questões mal resolvidas".
Hoje Ademir pode dizer em alto e bom som que sim, "a vida é bela", ouvir o gracejo da filha dizendo "como a vida é bela, meu filho nasceu gago", rir disso e agora falar sobre isso sem problemas. Não é para menos. Ele pensava que só iria superar a gagueira quando deixasse de ser gago, mas descobriu que era possível se curar de algo incurável. Para ele, é como a questão da doença apareceu em um dos filmes do Monty Python, quando dizem que a mulher de cadeira de rodas está curada e ela não se levanta, mas está com "cara de quem se curou". Por isso, " às vezes o empecilho continua lá, mas você passa a aceitá-lo, então é como se tivesse se curado, não da doença, mas do mal que ela te faz, o que pode ser o essencial em muitos casos", conta Ademir se dizendo curado pelo menos umas três vezes durante os encontros. Nada mais justo, afinal este também é símbolo expressivo da luta por sua auto-estima.
Aliás, por falar em auto-estima, Ademir é bom também em citar coisas negativas que ele não é. Ele lembra de um episódio quando ainda era "moleque" e tinha ciúmes de uma irmã que os pais pegaram de criação para ajudar de determinada família. Então, ele teria feito algo muito cruel e de extrema maldade, dizia sério enquanto todos na mesa repetiam sem ironias que realmente foi algo horrível. O mal que fez? Colocou suco de limão no feijãozinho que a irmã plantou e estava crescendo mais do que o dele. Quem diria, esse episódio nefasto e obscuro consta agora em seu novo livro onde um menino gago descobre um site tanto quanto inusitado.
“Www.anjodaguarda.com.br” é a historia desse garoto que de repente vê todas as coisas boas e maldades que fez pontuadas. Com o tempo, a criança descobre que consegue trocar os pontos por retirar a gagueira quando fala com alguém, mas pode escolher apenas uma pessoa para conversar sem gaguejar. Hoje, Ademir diz cheio de esperança que quer poder entrar no mundo das crianças que têm o mesmo problema e mostrar a importância de se aceitar.
A inspiração para o livro veio após lhe dizerem uma frase tão óbvia, mas que nunca tinha lhe dado estalo algum: "por que não faz a história de um garoto gago?". Muitas outras inspirações para livros e crônicas vieram de seu cotidiano, como os nomes dos filhos colocados nos livros "Monise e a Matemática", e "Leonardo e o Professor-Resposta". Outra inspiração em uma crônica recente em que Morfeu, um personagem que nunca dormia, conhece Neurínia, que nunca se esquecia de nada, numa sessão de Tai Chi Chuan, assim como ele conheceu a própria mulher. Tais histórias sempre foram elaboradas em diversos locais de escritas diferentes, desde folhas, bloquinhos e "palm". O objeto gerou muita discussão entre todos em sua explicação sobre o que era, pois os jovens repórteres não se lembravam da época em que os palm tops foram febre.
O equipamento foi fundamental para que ele pudesse criar suas histórias enquanto ia e voltava do trabalho, no ônibus. Foi também no transporte público que ele se deparou com um livro sobre a lenda judaica dos 36 justos, a qual Ademir conta mais de uma vez, sempre empolgado. Segundo esse mito, existe essa quantidade de pessoas justas no planeta, e nenhuma sabe que está nesse seleto grupo, porque são muito humildes para desconfiar. Quando um morre, Deus precisa encontrar outro e, se não houver peça de reposição, ele destruirá o mundo. "Mas óbvio que isso não serve pra mim, pois para ser um dos 36 você tem que ser humilde, e eu não sou", diz Ademir com um sorriso encabulado e despretensioso. E surge novamente o número místico.
Ele tenta quebrar a barreira do ceticismo de seus interlocutores contando também várias coisas que aconteceram no minuto 36. "Parece loucura ou coincidência, mas eu olho no relógio, e está lá. Outro dia ele parou e a Marisa viu", arregala os olhos, "no semáforo com contagem de segundos, sempre paro no trinta e seis”, conta. No radar que fiscaliza a velocidade, no relógio que para, no semáforo com cronômetro, em situações banais ou singulares, o 36 sempre está presente. Talvez ele esteja certo mesmo, e as aparições não sejam apenas trivialidades. Essa pode ser realmente uma soma mágica para Ademir, o profissional de números e amante de letras. Afinal, o que mais explicaria a quantidade de caracteres presentes no título desse texto?
Por Bruna Meneguetti e André Cáceres