30 de dezembro de 2014

Crônicas do Espaço #2


Alô, meus queridos confidentes. Desculpem a pressa com a qual introduzi nossoprimeiro contato, mas vocês não sabem o quão desesperador é estar em um planeta sem gravidade fixa e estável. Se os senhores pudessem ter noção de quão sortudos são por viverem em A1-C3 - quer dizer, a Terra - nunca teriam destruído todos os recursos desse lugar para se verem obrigados a explorar outros sistemas solares.

Por sorte, consegui pegar carona em uma nave de comerciantes que estava de passagem por aquele planeta esquisito. Vou fazer uma nota mental para nunca mais voltar àqueles lados da Andrômeda - por falar nisso, ela está cada vez mais próxima da Via Láctea, o que dá uns cartões postais incríveis. Ah, mas como eu ia dizendo, me desculpem pela falta de educação. Eu me chamo Zarg, e sou tatatatatatatataraneto do último terráqueo, ou seja, sou praticamente o parente mais próximo que vocês encontrarão em minha época.

Entre as várias coisas da Terra que eu nunca pude contemplar, mas da qual tenho consciência da existência, uma das que eu mais gosto é a música. Quer dizer, não que não exista música em outros lugares do espaço. Claro que adoro as famosas orquestras de explosão nuclear de F4-C6 – sim, eles acabaram com toda a vida do planeta criando essas explosões com variação de intensidade que produziam deslocamento de ar e, na concepção deles, era a música mais sofisticada do universo conhecido. Hoje em dia esses espetáculos só acontecem em corpos celestes não habitados por motivos óbvios de segurança e são transmitidos todo ano para todo o espaço.

Mas fiquem tranquilos. Eu discordo deles. Já tive a oportunidade de ouvir gravações de Tom Jobim, Queen, Jethro Tull e outros músicos da Via Láctea e sou um verdadeiro apaixonado pela arte terráquea. Talvez um dos poucos fãs que sobraram depois da debandada da sua raça em busca de novos planetas.

A maioria dos alienígenas gosta de alguns ruídos aleatórios sem nenhum tipo de harmonia ou andamento organizado, muito semelhante à música eletrônica de vocês. O que significa que, se os jovens de sua época resolvessem sair por aí numa expedição espacial, eles encontrariam discotecas bastante parecidas com as da Terra.

Vou falar baixinho, mas o que vocês tocavam por aí era bem melhor do que os caras que me deram carona estão ouvindo por aqui. Eles são uma raça evolutivamente primitiva de uma galáxia muito distante e têm um sistema auditivo pouco desenvolvido. A música para eles é sentida pelas vibrações do ar em contato com a pele gosmenta deles, então eles investem tudo nos graves.

É bem semelhante a um estilo terráqueo do qual não me lembro muito bem o nome agora... funk carioca! Isso! Ops, falei alto demais! Mesmo com as limitações eles conseguiram me ouvir e acho que não gostaram muito. Parece que vou ter problemas por aqui. Se eu sobreviver, falo mais com vocês, meus ancestrais. Até a próxima! Câmbio e desligo!

Perdeu a primeira crônica enviada por Zarg para a humanidade? Não tem problema! A gente busca ela do buraco negro em que ela foi parar. Clique aqui para ler o primeiro episódio!

12 de dezembro de 2014

Crônicas do Espaço #1


Olá, meu caro ancestral. É uma honra poder me comunicar com o passado distante. Caso você ainda esteja vivendo no planeta A1-C3, essa mensagem foi enviada com sucesso. Oh, me desculpe. Talvez vocês ainda conheçam esse corpo celeste como “Terra”, certo? Ainda me esqueço que um dia ele foi visto como o único lugar habitável do espaço.

Caso os receptores desse sinal estejam sentados confortavelmente em alguma espécie de assento, considerem-se alguns dos seres mais sortudos do universo conhecido. Posso afirmar com propriedade que pouquíssimos planetas existentes oferecem a possibilidade de se sentar de maneira aconchegante como a Terra – por mais que eu só a conheça por meio dos relatos de antepassados distantes.

8 de dezembro de 2014

O dia em que a arte morreu



20 de setembro de 2115
Quem sou eu? Penso que estou ficando louco. Neste momento desci ao porão para escrever e permaneço debaixo de uns toldos, ao lado de baratas e ratos. Essa folha é um pouco pequena demais e, por isso, minhas palavras estão tão miúdas. Mas é a primeira que vejo em 10 anos um lápis! Não o via, desde que baniram o coitado. Mas o que pode fazer um lápis? Muito. O lápis é símbolo de revolução. Porém, já estou velho demais e cansado para isso.
Lembro-me daquele outono. Provavelmente, seria a última apresentação de dança de Merlly e de muitas outras. A minha amada estava tão nervosa. Sua apresentação foi divina, mas poucas pessoas estavam lá para ver a última dança. Todos tinham muito medo. Naquele dia noticiaram na rádio que não passariam mais músicas e todo o tipo de arte deveria ser extinta. Quando Merlly terminou, ela caiu sobre o palco e desabou em choro como nunca vi na vida.

5 de dezembro de 2014

Coruja Cult #1: Tim Maia - Da Tijuca para o mundo

Se há uma palavra que possa descrever Tim Maia, essa palavra é: intenso. A intensidade com que o cantor vivia cada momento de sua vida, quando tentava se sobressair contra quaisquer dificuldades era sempre extrema. Os extremos na vida dele também foram recorrentes: do jovem Tião entregador de marmita da Tijuca ao Rei do Soul brasileiro em 1970 e, depois disso, ao seu declínio causado por si mesmo - pela sua arrogância e seus excessos. Assim, Sebastião Rodrigues Maia é descrito com detalhes, durante 2h20min na sua cinebiografia, baseada no livro Vale Tudo - O som e a Fúria de Tim Maia.

O filme conta desde a sua infância até seu último verso cantado em seu último e fatídico show no Teatro Municipal de Niterói, em 15 de março de 1998. “Vou pedir...”. Em seus primeiros anos, na Tijuca, Tião da Marmita era o caçula dentre 11 filhos, e tentava buscar o seu espaço no mundo. Desde cedo, lidava com situações que moldaram o seu caráter explosivo e tão volátil. Volátil num sentido literal: de mudar de opinião sem o menor pudor e voltar a uma opinião antiga num simples piscar de olhos. Isso é visto claramente durante a exibição daquilo que foi chamado da sua “fase racional”, quando Tim Maia virou um adepto da Cultura Racional. 

30 de novembro de 2014

Nas Asas da Coruja #2: De quando eu me apaixonei por Roma (ou As Desventuras Europeias)

Por Camila Costa - Originalmente postado em 25/02/2013 no blog Escrever Pode

Quem tem boca vai a Roma - e eu fui. Antes de mais nada, preciso dizer que recentemente tive a oportunidade de fazer minha primeira viagem internacional a trabalho, totalmente by myself. (Sim, é claro que eu fiquei com um tremendo de um medo de fazer cagada.)

Passei 4 dias em Bolonha. Uma cidade feia e sem graça onde a alegria de ninguém falar inglês se juntou com a dádiva de eu não falar italiano (nada além do livrinho e frases básicas), o aeroporto é do tamanho do de Porto Seguro e os prédios são todos iguais.


26 de novembro de 2014

Confira a cobertura completa da queda do avião na Avenida Paulista!

Texto por Bruna Meneguetti e edição por André Cáceres


Imagens inéditas do avião prestes a bater no prédio da Avenida Paulista

Eu sei quem você é. Você tem alguns amigos, mas também convive com muita gente que não gosta tanto assim. Se pudesse nunca mais falaria com elas ou, pelo menos, não veria tanto. Eu sei que você tem algumas pessoas na família que ama muito, mas que, quando encontra com outras no Natal não fica assim tão satisfeito.

Sei que você não ia tão bem naquela matéria chata no colégio, que já chegou a brigar com seus pais quando não tinha razão e quando tinha também. Eu te conheço, você já escreveu ou desenhou algo tosco no caderno do seu amigo. Às vezes você é competitivo e fica estressado com coisas que não fazem muito sentido. Eu te conheço. Quando você fica bravo, você está ao mesmo tempo tentando não ficar bravo. Mas se alguém diz que você está e você percebe que seu objetivo não foi cumprido, então você fica bravo por isso. Você é simples assim.

23 de novembro de 2014

O que não te contam quando você vai prestar vestibular!




Quando chegar ao terceiro ano, se é que já chegou esse ano ou tenha chegado há um tempo, a maior preocupação da sua vida vai basicamente ser o vestibular. Enquanto não entrar na faculdade desejada ou a certa, esta será a sua preocupação. A menos que você não pense igual às outras pessoas. Nesse caso, eu vou te contar um segredo: não tem nada de errado nisso. Mas, de qualquer maneira, é natural que se preocupe, porque a vida inteira você estudou para esse fatídico dia em que iria entrar em uma faculdade. E ela tem que ser pública, tem que ser a melhor de todas.
Os motivos variam. Se você tem um pouco mais de dinheiro, tem que estudar porque a vida inteira os seus pais te pagaram bons colégios. Ou seja, não poderá decepcioná-los agora. Porém, se estudou em públicos, então é melhor continuar nessa, porque não vai ter como pagar por algo melhor. Se nunca estudou muito na vida, então será pior ainda, porque você nunca vai chegar lá. Nos colégios, há grandes incentivos para que tenha as melhores notas, passe nos melhores lugares e conte a eles. Não se esqueça de contar a eles! No cursinho, apenas as públicas. Afinal, você não chegou até ali para entrar em qualquer uma. E deve ser a melhor, sempre ela.

20 de novembro de 2014

Nova parceria! Higor Bernardo: o youtuber das resenhas de livros!

Olá, Corujeiros! Como andam? Hoje a Coruja está super feliz porque fizemos mais uma parceria! Dessa vez é com o canal do Higor Bernardo, que fala sobre resenhas críticas de livros. Apesar de estar bem no comecinho, vale a pena se inscrever e acompanhar! O Higor é super honesto nos seus comentários, e você vai terminar de ver os vídeos tendo certeza se quer ou não ler os livros (sendo que na maioria deles vai querer)
Quer dar uma olhada? Veja só este último que ele postou sobre três livros do autor John Green e se divirta!

19 de novembro de 2014

Não seja preconceituoso (nem com preconceituosos)


É difícil escrever esse texto sendo um homem cis heterossexual branco de classe média sem nenhum tipo de deficiência física. Em resumo, não estou em nenhuma classe oprimida da sociedade e, portanto, muitos diriam que não tenho base para argumentar sobre qualquer assunto relacionado ao preconceito ou à discriminação. Se pedir um pouquinho de atenção e confiança for pouco, gostaria pelo menos de lembrar que, no debate racional da esfera pública, argumentum ad hominem (atacar a pessoa, e não suas ideias, propostas ou pensamentos) desqualifica o interlocutor, além de ser desonesto retoricamente falando e impossibilitar a discussão plena.

12 de novembro de 2014

Poema #5: Há Lua?


Há um círculo que é holofote na escuridão
Todo o conjunto diz que é possível
As estrelas convidam para um mergulho na imensidão
Rainha dos amantes, amante do invisível

Ela diz que hoje à noite há muita gente olhando para ela
É que está cheia nos olhos, na vida em tela 
Mas tem gente que nem vai olhar
Tem gente que não para com medo de se ilhar

Identifica-se logo quem ignora, como se com farda
A grandiosidade do que parece menor
Sente-se estranha, o mundo oferece sentimento ao redor
E procura na lua uma resguarda

"As coisas estão mudando?"
Tem fé em algo que desconhece
Como um bicho, que não se entristece
Um bicho que cultua o ser humano, mesmo caducando

Mas que tipo de ser é esse capaz de cultuar a nós?
Que olhos são esses que perdemos?
Entendimentos pequenos,
Tudo porque esquecemos!

Quando vê, já esqueceu coisa tão tua
E não achamos mais a essência de ser
Mas, espere, há alguém preocupado em trazer?
E me diga, como alguém esquece que há lua?


10 de novembro de 2014

Poema #4: O amor em tempos de ódio


Amar em tempos de ódio
É um ato revolucionário
Agora e em qualquer cenário
Quando tentam guardá-lo no armário

Quem quiser transformar dois em um
Tem o merecimento de subir ao podium
Porém, se quiser amar sem fardo
Que ame com resguardo

Antes não era permitido amar quem quiser
Juntava-se só com benzer
Hoje não se pode sair amando
Se não tiver com sexo diferente andando

E há também aqueles que invejam!
Pessoas cheias de ódio praguejam
Sobre os abraços, beijos, amores
Pois é, nem tudo são flores

Mas o amante é bravo
Apenas quer quebrar a maldade
Mesmo quando rosa e cravo
Juntos resistem em vida, época e eternidade

6 de novembro de 2014

No Bico da Coruja #15 - Um barzinho cheio de brinquedos e nostalgia no Ipiranga


Mais uma vez, a Coruja alçou vôos para longe da Paulista. Pousamos no bairro do Ipiranga para experimentar um barzinho bem diferente e curioso.






Adornado de inúmeros brinquedos antigos, a Nico Hamburgueria é uma verdadeira viagem no tempo e remete à infância de pessoas de todas as idades, trazendo à tona a nostalgia com os bonecos e vários artefatos de diversas épocas.

Ele costuma ter bastante procura, mas quem chegou tarde pode esperar em uma sala a parte, repleta de objetos antigos, como móveis, televisores e aparelhos.




A comida é bem generosa, os lanches são gostosos e grandes, e o suco vem em um pote de vidro, semelhante aos tradicionais de doce de leite, o que é bastante peculiar. Quando for ao Nico, não deixe de gastar um tempo andando e observando cada detalhezinho do local.




Será que de madrugada, o lugar vira um Toy Story 4 e os brinquedos tomam vida e saem andando e falando? Fica a dúvida...

Nico Hamburgueria (http://www.nicohamburgueria.com.br/)
Endereço: Rua Cisplatina, 31, Ipiranga Preço: te'rça a domingo, das 11h30 à 0h (sex. e sáb. até 1h) Horário de funcionamento Selo Coruja de nostalgia!


4 de novembro de 2014

A Gaita de Fole




Não havia um doce final de semana em que eu não ia ao parque, olhava a natureza, ouvia o canto dos pássaros, as folhas balançando, as crianças brincando, os risos, os cachorros, a doce canção da paz e, é claro, a maldita gaita de fole. Ah! Tudo seria tão mais lindo se não houvesse aquela gaita! Uma vez cheguei a dizer que deveriam lhe proibir de manifestar tal música hedionda. Não que eu achasse mesmo isso. Muitas vezes a gente não acha mesmo o que diz pensar achar. Um dia, a agonia era tanta que surgiu a vontade de perguntar de onde era aquele homem que produzia tal som e porque diabos ele estava lá. Eu não sabia até então, o que realmente pensava da gaita de fole.


Chegando perto do homem, fiquei ouvindo aquele som desafinado que ecoava por todo o lugar. Ele olhava para mim e sorria com os olhos, empenhando mais fôlego em fazer o objeto musical funcionar da pior forma possível. Foi tanta a emoção e atuação dele que eu quase temi que houvesse alguma plateia atrás de mim. Ele estava realmente focado em fazer a pior música do mundo.


Conversamos, perguntei de onde surgiu a gaita de fole e se ele era daquele lugar. Não. Algum parente, quem sabe? Não. De onde surgiu a ideia de tocar (essa coisa horrível) essa maravilha? Ouvi alguém, um dia. Ah entendo! (Como assim ouviu e ainda por cima quis tocar?). Como ela funciona? Você sopra aqui e aperta aqui! Hm. Quer tentar? Não, pelo amor de Deus! Ok. Onde você aprende? Tem um lugar aqui perto que ensina só isso. Que legal, (por queeeê??) mas você paga? Não, é de graça. Ah (agora tudo faz sentido), e você treina aqui, então? Sim, é bom porque é bem aberto e não faz eco, não tenho onde treinar. Entendo (alguem, por favor, arranje um lugar ao pobre homem), que demais!


Sai sorrindo e lhe desejando boa sorte. Todos os fins de semana, quando chegava lá irritava quem estivesse comigo ao tentar imitar e cantar o TAAAAAAN NÃ NÃ NÃ NÃ TAAAAAAN NHÉ NHÃ TAN NÃ! E, depois, perguntava a mim mesma se ele estava lá. Ia até a beirada da escada reparar. Não ouvia nada. Mas, enquanto tentava resguardar a minha paz interior, começava um som estridente da música ruidosa e mal treinada que aquele cara metido a escocês se dispunha a deixar ainda pior. Portanto, era óbvio que todo fim de semana eu chegava lá, amaldiçoava a gaita e o homem, quiçá a Escócia. Porém, outro dia cheguei e ele não estava lá. Por que ele não estava?


No final de semana seguinte também. O homem da gaita de fole nunca mais apareceu. Eu poderia apreciar agora toda a música dos pássaros, o som dos risos, das árvores e do cachorro e não haveria a gaita de fole para me atrapalhar. De repente, uma melancolia começou a me invadir. Já faz uns seis meses que ele não aparece e há exatos seis meses eu me entusiasmo ao pensar na perspectiva de que talvez ele esteja lá. Esses dias ainda, me passaram um vídeo de um homem que tocava uma gaita de fole de um jeito muto bom. E, o melhor, a gaita dele soltava fogo conforme ele tocava. Brinquei que se o homem da gaita do parque tocasse assim, não teria sido expulso. Ah, esse humor negro. Às vezes ele vem disfarçado pra gente, de forma a amaciar algo dentro de nós. Na verdade, eu temi que o homem tivesse sido expulso.


E se lhe falassem que ele tocava mal? Coitado! Poderia nunca mais tocar. Quem sabe ele seria o novo astro da gaita de fole! Foi aí que eu entendi: queria que ele estivesse lá para me atormentar. Queria um tormento em minha vida simplesmente porque quando tudo é harmonioso demais, a vida fica sem graça. Somos mesmo assim, sempre procurando algo do que reclamar. Quando se resolve, logo procuramos outra coisa para poder reclamar. Hoje, tenho plena consciência que eu adorava a gaita de fole, mas que se ela voltasse eu a odiaria pelo simples motivo de que meus sentimentos precisam de um desequilíbrio. Se sou assim com música, imagina com política, cinema, poesia, aulas, estresses do dia e alegrias. E se você acha que já sentiu algo parecido em algum dia, então talvez já tenha deixado tocar uma gaita de fole na sua vida. Mas como na vida nada é por acaso, outro dia estava tocando funk.

30 de outubro de 2014

No Bico da Coruja #14 - Uma fonte no meio da galeria


Localizado na Galeria Trianon, ao lado do Parque Trianon, na Rua Prof Otávio Mendes, nº1499, que faz dobradinha com a Paulista, há um restaurante por kg muito bom! O seu ambiente é um tanto quanto inusitado. Descobrir esse cantinho da Paulista pode não ser muito fácil para os desatentos. 

Ao entrar na galeria, vá até o final dela.Lá você verá uma fonte desativada muito bonita! Suba as escadas e, então, ache o "Restaurante Trianon Grill". Escolhendo uma cadeira lá fora, dá para almoçar próximo da fonte e escolher o que quiser. O preço de 100g, sem grill é de R$ 3,69, e o de 100g, com grill, sai por R$ 4,09. A comida é boa, tem churrasco todos os dias e sopa nos dias frios. Para quem curte, é uma delícia.

Mas a experiência, e local compensam demais. Afinal, quando você vai achar que dentro de uma galeria se encontra uma fonte desativada? Vale a pena conhecer, ainda mais se for depois das 14h, pois há um desconto de 15% ou o prato único acaba saindo por R$ 15,00! O local tem mais um andar para as mesas em cima, de forma que há bastante lugares. O único problema é que depois do meio dia ele enche demais, então, chegue cedo.




Restaurante Trianon Grill Endereço: Rua Prof Otáveio Mendes, nº 1499
Preço: em média, de R$15 a R$35
Horário de funcionamento: segunda a sexta, das 11h às 15h Selo coruja de lugar inusitado!



28 de outubro de 2014

Poema #3: Quem vos escreve



Quem eu sou?
Sou uma frase no seu dia
Um livro na sua vida
O bem e o mal que casou

Às vezes sei exatamente quem eu sou
Às vezes não sei nem onde estou
Às vezes sou sol, às vezes lua
Vezes água, vezes tua

O raio e o breu,
Às vezes pássaro e então lagarto
Sou de cada um que passa, que deixam o local farto
Quem sou eu?

Se minhas partes fossem uma frase
Diria que sou o que você pode sentir
Se coubesse numa palavra, diria que sou um tudo-quase
Sou o mundo e todas as pessoas que puder admitir

Ao mesmo tempo não sou ninguém além de mim
Sou a minha imaginação desenfreada
A vida brincando numa balança calada
A certeza da dúvida que me permeia assim

Sou por fim quem vos escreve
Porque estou em tudo, e tudo está
Mas não há mais da vida do que a certeza de ser


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24 de outubro de 2014

Os gregos e troianos da política brasileira

O sujo e o mal lavado

Quando é o PT, é "mensalão". Quando é o PSDB, é uma inocente e singela compra de votos para o necessário projeto da reeleição. Quando é o PSDB, é "privataria". Quando é o PT, é o fomento de parcerias entre Estado e iniciativa privada.

Os petistas foram contra a reeleição, mas já tenta reeleger o segundo presidente seguido. Os tucanos foram contra os projetos sociais como o Mais Médicos, mas reclamam a invenção do embrião do Bolsa Família para FHC.

Aécio disse ser favorável ao fim do fator previdenciário em reunião com sindicalistas mas recuou e reviu esse aspecto no plano de governo. Dilma bolou o kit anti-homofobia para as escolas, mas recuou depois da pressão da bancada evangélica.

É "petrolão" pra cá e "tremsalão" pra lá.

O helicóptero com drogas de Aécio. A hospedagem luxuosa de Dilma.

Uns dizem que Dilma já participou do assassinato de um soldado (só boatos) e outros que Aécio já bateu em uma namorada (só boatos).

Quantos ministros de Dilma já foram acusados de corrupção? Mas quanto Aécio pagava para os professores em Minas Gerais?

Tucanos criticam a continuidade do PT no governo federal. Petistas criticam a continuidade do PSDB no governo de SP.

Enquanto uns têm apoio de Sarney, Collor e Maluf, outros fazem alianças com Malafaia, Bolsonaro e Feliciano.

Tucanalhas salvaram o Brasil da inflação, mas privatizaram tudo e foram pioneiros dos escândalos. Petralhas salvaram o Brasil da miséria mas deram prosseguimento aos casos de corrupção e não fizeram esforço algum pela estatização.

É o filho do Lula e o tio de Aécio.

Se o PT continuar no poder, vai implantar uma ditadura comunista. Se o PSDB chegar ao poder, vai acabar com o bolsa família. É isso que berram aos quatro ventos os mais alucinados de ambos os lados.

Mas de ambos os lados, o que também vemos é financiamento privado de campanhas. Quem elegerá Dilma e Aécio? Seu voto ou as empreiteiras? E adivinhe para quem ele vão governar.

Essa é uma dicotomia irracional. Freud explicaria as projeções de Lula e FHC que vemos em Dilma e Aécio.

Dilmaécio são dois lados da mesma moeda ideológica. Tentam agradar a gregos e troianos da política brasileira. Duas faces da consciência burguesa da classe média tentando manipular massas. Uns votam no PSDB porque são burros, outros votam no PT porque querem parecer inteligentes. E vice-versa.

22 de outubro de 2014

A garota na janela

A garota na janela observava não o céu, não seu quarto, mas a sua vida. Toda a sua vida ali, em fotos, em fatos. Toda ela a mercê do que estaria por vir. As velhas pessoas deixadas em outro lugar, que não ao seu lado, porém todos ainda perto. Não há medo. Há um querer imenso em entrar em algo novo, uma beleza no desconhecido e uma certeza de que a vida é encarregada de ser inimaginável. 
A garota estava a adorar o desconhecido e olhando o céu o adorava pelo mesmo motivo. Imaginou que triste e bonito devia ser o céu na noite dos que não tem uma luz em sua casa. Na noite que não há luz nem nas almas e o povo dorme silenciosamente, numa cantiga monótona de quem já se acostumou ao show exibido daquilo que existe.
Acostumar-se-iam como nós já acostumamos com o nascer e o pôr do sol? E pensou no seu futuro e como estava bem no aqui e agora, em tudo que havia mudado, tudo para que ela pudesse ser! Quantos anos se passaram para que ela pudesse ser o que era agora? Havia mudado, era o que importava. Enquanto isso, a paralisação supérflua das estrelas permitia que ela experimentasse a sensação do tempo estático.  Quem a visse estranharia!  Acharia, de certo, que era um fantasma em sua janela, parada, no escuro, esperando que algo além de seus pensamentos se movessem.
Estava em paz! Sabem o que é isso? Estar em paz enquanto tudo ao seu redor está desmontado, esperando quem junte as peças? É uma doce sensação, chega a ser estranha. Olhou para certo ponto acima de sua cabeça e lá uma estrela cadente passou. Nunca havia visto uma! Ela riscou o céu e sumiu num feche de luz, de modo que a garota sorriu. Achou que era possível algumas pessoas morrerem sem terem visto uma estrela cadente e respirou feliz por não ser uma delas.
Tinha a chance de fazer um pedido. Mas se é difícil pedir algo enquanto estamos nervosos mais ainda é, quem diria, pedir quando estamos perigosamente calmos. Tudo estava perfeitamente belo, todo o desconhecido era uma chama que queimava dentro dela e não havia o que desejar. Embora, de certo, não era uma pessoa sem desejos ou sem grandes sonhos. Não, isso nunca. Havia sonhos escandalizadores em sua mente, sonhos difíceis até de sonhar.
Mas o pedido era para ela, era imediato e ela esqueceu-se dos seus sonhos futuros. Sempre que pedia o fazia para o agora. E agora não havia o que pedir. Também queria pensar bem antes de pedir qualquer coisa, não queria algo que ela ainda não estaria preparada para receber. Quando estivesse pronta, então certas coisas viriam sem que fosse necessário implorar aos céus.
Pensou em desejar oportunidade para crescer. Mas que pedido arriscado, afinal, crescer nem sempre é fácil!  A chama que lhe ardia do desconhecido havia bebido tantas e tantas vezes do néctar ruim a quem chamam de dor. Era melhor certificar-se em outra coisa. O que pedir? A estrela tinha acabado de sumir e, certamente, se demorasse muito, seu pedido seria revogado.  Entraria com um processo nas leis de pedidos por um pedido que ela nem sequer sabia qual era. Pediria o direito de pedir, sem que, ao certo, soubesse até onde era permitido pedir por esse direito.
Ninguém demora tanto para pedir alguma coisa. Aliás, qualquer um é capaz de, em um dia normal, sair por aí pedindo de tudo. Desde comida, se estivesse com fome; até que as horas passassem mais rápido, se estivesse com tédio. A estrela se irritaria, e o júri comentaria, e ninguém demora tanto para pedir alguma coisa! Peça qualquer coisa tosca, garota! Peça um bom chocolate ou para ver um filme maravilhoso! 
Ora, mas certamente a primeira estrela cadente que viu em sua vida não aparecera para que ela pedisse que fizesse sol no dia seguinte. Tinha que ser um bom pedido. Tinha que ser “O pedido”. Você alguma vez já chegou a não querer nada da vida além de ser feliz? São raras às vezes em que isso acontece e a confiança é tão forte, tão grande que não se ostenta em nada, nem ninguém.
Mas alguma vez você já olhou para o céu e esqueceu-se de todos os seus anseios, todos seus sonhos e expectativas para o futuro e desejou apenas ser feliz? E não é isso que na verdade está oculto dentro de todos os outros pedidos? Finalmente, forçada pelo martelo que ditava o fim da audiência, ela fechou os olhos e desejou algo. Infelizmente não posso falar o que foi. Eu não me atreveria a tanto, caso contrário cancelaria a validade de tão bem pensado pedido.

P.S.: Texto inspirado no dia 20 de fevereiro de 2013. Dia em que vi uma estrela cadente pela primeira vez.

Nova parceria: Eu No País Dos Livros

A Coruja tem um novo blog parceiro! Eu no País dos Livros fala sobre literatura, tem várias resenhas de livros e um visual bem bonito.

Confere aí: http://eunopaisdoslivros.blogspot.com.br/

O twitter deles é @eueoslivros

Por hoje é isso, mas vamos sempre recomendar outros blogs legais que possam interessar à nação corujeira.

20 de outubro de 2014

Sorrisos perdidos de uma terça-feira

Foto tirada pelo fotógrafo vencedor na categoria "Sorrisos", do Sony World Photograph Awards 2011. Na imagem há um homem com as pernas amputadas vendendo fitas de Nosso Senhor do Bonfim, na Bahia
Você sabe bem, quando tudo passa rápido demais ao seu redor e apenas você está no mesmo ritmo de alguns detalhes. Quando todo mundo parece correr e estão rápidos demais para notar as folhas dançando com o vento e caindo por aí.
Só você está no ritmo bom o suficiente para as notar. Você sabe bem, quando as buzinas de um protesto se misturam ao som das buzinas dos carros e com a música clássica do homem que faz um artesanato. Ele está parado olhando a todos e, de repente, lhe sorri porque você não está tão rápida para não o notar e nem tão vagarosa como quem faz um artesanato, ao som de música clássica, e buzinas de manifestações, e carros.
Você sabe bem porque sorriu de volta, afinal, até outro dia era ontem e ontem parece que foi mês passado. Tem ontem que parece daqui a muito tempo. Aquele instante é tão fugaz que ninguém jamais conseguiria segurá-lo na memória, nunca alguém lembrou para sempre do homem que sorriu em uma tarde de terça-feira enquanto fazia artesanato, enquanto alguém ou você não andava devagar o suficiente para estar rápido e nem rápido o suficiente para estar devagar.
Você sabe bem, daqui uns dias já vai ter sido hoje há mais de um ano. Tem sempre que parece que nunca foi e tem nunca que parece ser para sempre. E você terá andado assim, todo confuso na certeza de que logo se acerta, sem saber o que querer do tempo e o que do tempo pode tirar. Outro homem que faz artesanato sorrirá e você sorrirá de volta porque de alguma forma está bem com o tempo e o tempo está bem com você, todos ficam exatamente onde se deixaram permanecer e, juntos. Não estagnam, também não tentam acelerar.
Tudo jamais será igual, porque nesse dia a riqueza de detalhes te permitiu ver tudo! Tudo, enquanto você pensava não ligar a mínima para o que o tempo queria de você ou o que você queria do tempo. Você sabe o que quer de você, e basta.  Agora, se o mundo acabar antes desses outros sorrisos, que você e ninguém vai lembrar por ser apenas um segundo de toda a sua existência, se o tempo passar mais vagaroso ou mais veloz que o normal, saiba que a vida é mesmo feita de frases mal feitas e sorrisos bobos que se perdem no ar.
P.S.:Texto escrito há mais de um ano, data original de publicação em 09/10/2013
Por: Bruna Meneguetti e uma palhinha do André Cáceres

14 de outubro de 2014

Tirinha #2 - Darwin não curtiu isso

Será que Darwin imaginaria que em pleno século XXI ainda existiriam debates sobre a validade do amor entre duas pessoas pelo fato irrelevante delas serem do mesmo sexo? Impensável para um homem tão esclarecido como ele que, tantos anos após suas pesquisas, ainda houvessem pessoas combatendo o progresso do pensamento científico em nome de dogmas autoritários.
Darwin seria capaz de ponderar que uma pessoa pudesse jogar uma banana na direção de outra ou chamá-la de macaco por causa da quantidade de melanina presente em sua pele?
Por falar em macacos... como pregar essa pretensa superioridade absurda em relação a eles se nós ainda derrubamos o celular no rosto quando estamos na cama? Fica aí a reflexão.

Poema #2: A cópia do melhor poema do mundo



O melhor poema do mundo
Sempre aparece no meu coração
Arranca sorrisos em um segundo
E escorrega pela palma da minha mão

Vem com seu olhar aventureiro
Um tiro perfeito de um arqueiro
Tão forte em mim como um leão
E as palavras se encaixam em tom certeiro

Repare agora não
Aqui vou eu com a cópia ao fundo
Ladrando tal qual cão na reprodução
Do melhor poema do mundo

Estende ao céu essa opção,
Na noite que perfuma ao som do violão
Há vontades que levam às luzes de Paris
E você, diga lá o que sempre quis

Enquanto eu vou cantando
Na rua que corre em meandro
Ele é como o tempo, passa malandro
São como os versos, vão se emendando

O melhor poema do mundo é o que não se diz
Não cabe respostas na ponta do nariz
Quando ela se perde no céu dos teus quadris
Contornando sua loucura com um olhar de giz

Falar do infinito, eu sei, é tanto e quanto grande
Mas acaba sempre sendo maior e ainda
É como a sensação da tua vinda
Que tanto assim e igual se expande

Por isso, eu danço nas vielas de tua matriz
Buscando as palavras certas como uma aprendiz
Desejando a saudade de viver o que ainda não condiz
Despejando a poesia do peito nesse chafariz

Por que quando você me toca com braços de rio
Eu desaguo no mar de mil noites vestidas de anil
Mas por não saber reproduzir nem um fio
É que esta é só a cópia do melhor poema do mundo

12 de outubro de 2014

Alerta: pombas planejam suicídio coletivo na Grande São Paulo

O farfalhar intenso das pombas. Verdadeiras pragas. Sujam todos os lugares e vão vivendo sem propósito. Vão a procura de uma migalha, parecem nem estranhar a velocidade da tecnologia. Fazem coro contrapondo os pardais. Entram nos restaurantes obrigam a servi-las.
Mas ai! Como dói ver uma dessas no meio da rua, esperando ser atropelada. O bom homem a vê e diz:
- Sai da rua pomba! Você não quer ficar na frente do carro, xô!
E ela de súbito o ouve, parece cair em si. Lembra que é pássaro e voa! Mas não sei o que é que a impede e ela para no fio mais próximo, procurando outra migalha no meio da avenida. Amargo instinto! Esses dias estava passando pelo mesmo lugar e vi uma delas pousada no fio mirando o segundo pouso. Tinha um olhar de águia, de gavião.Fez uma curva perfeita entre as pessoas, passou sem maiores esbarrões, numa sutileza sem igual.
Nunca vi uma pomba calcular assim o voo, como o gato calcula seu bote. Outro dia ainda, no mesmo lugar, o farol abriu e vi uma delas atravessar a rua na minha frente, andava tranquilamente em cima da faixa de pedestres. E nada me tira da cabeça que é a mesma pomba dos olhos de águia. Que provavelmente é a mesma que não se arrisca na avenida em busca da migalha. 
Mas ninguém a nota, ninguém a vê. Então é igual a todas aos olhos de todos. Ela entrou numa categoria maior em que se definem pombas e pomba é o que ela é. Embora tenha olhos de águia e não tente se suicidar pela migalha, como pode negar que é pomba se pomba é o que ela é?

8 de outubro de 2014

Profissional de números e amante de letras

Ademir Moreno Aguilar: o profissional de números e amante de letras

“Técnico em Eletrotécnica, Bacharel em Matemática, atuando como Analista de Sistemas, casado e com dois filhos”. Essa poderia ser uma definição simplista da vida de Ademir Moreno Aguilar, mas, por trás de seus olhos claros e seu sorriso espontâneo, há muito mais do que um mero homem trabalhando com as ciências exatas. Ele ganha a vida com os números, mas tem sua verdadeira paixão nas letras: escreve livros infantis, contos e crônicas por puro prazer.

Sua história com a escrita vem de muito cedo, mas começou para valer quando ele estava no cursinho. Acostumado aos textos burocráticos das redações de vestibular, o jovem estudante teve dificuldades para chegar às quatro páginas demandadas pelo primeiro concurso literário em que se inscreveu, em 1984. A partir daí, o tamanho das obras só aumentou. A primeira boa colocação surgiu em 1987, no II Prêmio Jorge Andrade e, três anos depois, venceu as duas primeiras edições do Concurso Municipal de São Caetano do Sul.

Talvez por incentivo desses prêmios recebidos ou pela personalidade estressada, que expressa de forma tragicômica em seus escritos, Ademir já chegou a largar o emprego em que estava para ter de volta o que sentia falta e era essencial para sua escrita: o ócio. "Depois percebi que me dediquei mais procurando um trabalho de meio período para ter algum tempo do que escrevendo, e voltei à velha rotina". Teria dado ainda mais certo se não tivesse desistido? Não há como saber.

O fato é que o escritor ficou entre os três melhores no concurso “Los Niños Del Mercosur”, em 2008, disputando com autores de toda a América do Sul, e viu seu conto “Extinção” ser publicado em português e espanhol. Mas veio também a era digital, e Ademir começou a escrever em seu blog “Conto Gotas” histórias de até 500 palavras para se adaptar ao ritmo corrido de sua vida e aos novos tempos em que ninguém mais tem tempo para leitura.

Os olhos verdes que mostravam um mundo habitado e o universo grandioso que há dentro daquele homem não poderiam desmentir que ele é um escritor. Trazendo à tona o lado humano das ciências exatas, o improvável autor premiado, com seus cabelos grisalhos e suas roupas confortáveis, admite redigir os melhores relatórios entre os funcionários da empresa. "As pessoas acham estranho, mas me elogiam porque consigo transformar aquela linguagem técnica em algo agradável de ler", conta ele, que sente o ego massageado pelos elogios.

Talvez pelo fato de lidar com números em sua carreira, ele tenha tanta afeição por um em específico: o 36, que considera místico em sua vida, e foi tema de uma de suas crônicas. Vários fatos marcantes ocorreram no minuto trinta e seis, como a última página escrita de seu primeiro livro, a hora de envio de e-mails que decidiam finalmente algo importante e o conjunto do prédio onde trabalha atualmente. Mas toda essa história começou no seu primeiro emprego com carteira assinada. Às 17h36 minutos, quando estava prestes a ir embora para casa, Ademir estabeleceu para si um monte de regras e, com elas, parou de gaguejar por 50 dias. "Quando voltou a acontecer, foi no telefone, na casa de uma cliente. Para não demonstrar a dificuldade, evitava dizer muitas coisas, mas dessa vez tive que falar e deveria ser rápido. Lembro exatamente da cara com que a mulher me olhou e como me senti péssimo nesse dia", conta o escritor.

Apesar de Ademir ter uma memória incrivelmente boa, o que pode ter aparecido tanto devido aos números quanto à quantidade de leituras, o escritor tenta nos convencer que esta é meramente uma impressão. Porém, não consegue. Além de outros detalhes ele lembra o dia exato em que sua mãe sugeriu a profissão que talvez teria seguido. "Foi apenas uma vez que ela citou o jornalismo e eu lembro bem como isso logo foi convertido para uma teoria hipotética e abstrata. Um gago repórter?", conta o escritor, lamentando a falta de conhecimento na época e provando que às vezes devemos fazer o que gostamos, mesmo que as circunstâncias apontem para outros caminhos.

O interessante é que Ademir nesse sentido não é muito "tal pai, tal filho", pelo menos não sobre a falta de incentivo que teve. Por incrível que pareça, na família do analista de sistemas Ademir todos têm seu lado artístico e ele os apoia. Sua mulher, Marisa da Silva Moreno, é dona de casa e poetisa, com diversos poemas publicados em antologias, um livro de poesias próprio e uma história infantil escrita em versos, num livro dividido com o marido. A filha Monise é estudante de artes na Universidade de São Paulo e exibe desenhos espalhados pela casa.

A residência é um capítulo à parte. Localizada num bairro afastado de São Caetano do Sul, no ABC paulista, que transmite a sensacão de lugar interiorano no meio de uma cidade agitada, a casa abriga, além dos cachorros e de um porquinho da índia, uma passagem secreta por dentro de um guarda-roupa para um salão com uma mesa de pingue-pongue, o que revela um dos hobbies do homem que usa o tempo do fretado para escrever.

Leonardo, o filho mais novo, ainda não demonstrou aptidão clara para o universo artístico, mas foi fundamental para ajudar Ademir a driblar a gagueira, quase imperceptível hoje em dia, e se aceitar. Tal fato ocorreu há pouco tempo, cerca de um ano. Para ele, "um filho às vezes vem pra gente ajustar umas questões mal resolvidas".

Hoje Ademir pode dizer em alto e bom som que sim, "a vida é bela", ouvir o gracejo da filha dizendo "como a vida é bela, meu filho nasceu gago", rir disso e agora falar sobre isso sem problemas. Não é para menos. Ele pensava que só iria superar a gagueira quando deixasse de ser gago, mas descobriu que era possível se curar de algo incurável. Para ele, é como a questão da doença apareceu em um dos filmes do Monty Python, quando dizem que a mulher de cadeira de rodas está curada e ela não se levanta, mas está com "cara de quem se curou". Por isso, " às vezes o empecilho continua lá, mas você passa a aceitá-lo, então é como se tivesse se curado, não da doença, mas do mal que ela te faz, o que pode ser o essencial em muitos casos", conta Ademir se dizendo curado pelo menos umas três vezes durante os encontros. Nada mais justo, afinal este também é símbolo expressivo da luta por sua auto-estima.

Aliás, por falar em auto-estima, Ademir é bom também em citar coisas negativas que ele não é. Ele lembra de um episódio quando ainda era "moleque" e tinha ciúmes de uma irmã que os pais pegaram de criação para ajudar de determinada família. Então, ele teria feito algo muito cruel e de extrema maldade, dizia sério enquanto todos na mesa repetiam sem ironias que realmente foi algo horrível. O mal que fez? Colocou suco de limão no feijãozinho que a irmã plantou e estava crescendo mais do que o dele. Quem diria, esse episódio nefasto e obscuro consta agora em seu novo livro onde um menino gago descobre um site tanto quanto inusitado.

“Www.anjodaguarda.com.br” é a historia desse garoto que de repente vê todas as coisas boas e maldades que fez pontuadas. Com o tempo, a criança descobre que consegue trocar os pontos por retirar a gagueira quando fala com alguém, mas pode escolher apenas uma pessoa para conversar sem gaguejar. Hoje, Ademir diz cheio de esperança que quer poder entrar no mundo das crianças que têm o mesmo problema e mostrar a importância de se aceitar.

A inspiração para o livro veio após lhe dizerem uma frase tão óbvia, mas que nunca tinha lhe dado estalo algum: "por que não faz a história de um garoto gago?". Muitas outras inspirações para livros e crônicas vieram de seu cotidiano, como os nomes dos filhos colocados nos livros "Monise e a Matemática", e "Leonardo e o Professor-Resposta". Outra inspiração em uma crônica recente em que  Morfeu, um personagem que nunca dormia, conhece Neurínia, que nunca se esquecia de nada, numa sessão de Tai Chi Chuan, assim como ele conheceu a própria mulher. Tais histórias sempre foram elaboradas em diversos locais de escritas diferentes, desde folhas, bloquinhos e "palm". O objeto gerou muita discussão entre todos em sua explicação sobre o que era, pois os jovens repórteres não se lembravam da época em que os palm tops foram febre.

O equipamento foi fundamental para que ele pudesse criar suas histórias enquanto ia e voltava do trabalho, no ônibus. Foi também no transporte público que ele se deparou com um livro sobre a lenda judaica dos 36 justos, a qual Ademir conta mais de uma vez, sempre empolgado. Segundo esse mito, existe essa quantidade de pessoas justas no planeta, e nenhuma sabe que está nesse seleto grupo, porque são muito humildes para desconfiar. Quando um morre, Deus precisa encontrar outro e, se não houver peça de reposição, ele destruirá o mundo. "Mas óbvio que isso não serve pra mim, pois para ser um dos 36 você tem que ser humilde, e eu não sou", diz Ademir com um sorriso encabulado e despretensioso. E surge novamente o número místico.

Ele tenta quebrar a barreira do ceticismo de seus interlocutores contando também várias coisas  que aconteceram no minuto 36. "Parece loucura ou coincidência, mas eu olho no relógio, e está lá. Outro dia ele parou e a Marisa viu", arregala os olhos, "no semáforo com contagem de segundos, sempre paro no trinta e seis”, conta. No radar que fiscaliza a velocidade, no relógio que para, no semáforo com cronômetro, em situações banais ou singulares, o 36 sempre está presente. Talvez ele esteja certo mesmo, e as aparições não sejam apenas trivialidades. Essa pode ser realmente uma soma mágica para Ademir, o profissional de números e amante de letras. Afinal, o que mais explicaria a quantidade de caracteres presentes no título desse texto?

Por Bruna Meneguetti e André Cáceres

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